Folha de S. Paulo


Guardas armados protegem água em cidade atingida pela seca na Índia

Nesta cidade da Índia devastada pela seca, as autoridades posicionaram guardas armados 24 horas por dia em um açude comunitário alimentado por um rio, para impedir agricultores de desviar a água que ainda resta para irrigar suas plantações.

A precipitação pluviométrica em Tikamgarh foi 52% abaixo da média este ano, e é o segundo ano de seca na região. Hoje os moradores da cidade só recebem água esporadicamente, e teme-se que até esse fornecimento irregular seque durante maio e junho, os meses de maior calor do ano.

Noah Seelam - 25.abr.2016/AFP
Fazendeiro observa campo de algodão com solo ressecado em meio à estiagem na Índia
Fazendeiro observa campo de algodão com solo ressecado em meio à estiagem na Índia

Suryakant Tiwari, 47 anos, morador da cidade, disse que sua família e muitas outras só recebem água para beber e para uso doméstico um dia em cada cinco.

"Nunca antes na vida vi uma situação como esta. Praticamente todas as fontes de água da região secaram", ele disse. "Não sabemos como vamos sobreviver."

Os agricultores foram proibidos de usar água dos reservatórios para irrigar suas plantações. Mas funcionários da Corporação Municipal de Tikamgarh acham que agricultores do Estado vizinho de Uttar Pradesch -cujas terras fazem divisa com a barragem de Bari Ghat, alimentada pelo rio Jumuniya-estejam desviando água para tentar manter suas plantações vivas.

"Se as plantações continuarem a ser irrigadas com água do rio, a água não vai durar muito tempo e haverá uma crise grave no verão", avisou a presidente da corporação municipal de Tikamgargh, Laxmi Giri. "Nossa prioridade é garantir água para a população tomar."

Amit Dave/Reuters
População de cidade indiana coletam água de caminhão-pipa por conta da seca
População de cidade indiana coletam água de caminhão-pipa por conta da seca

O rio Jamuniya é a única fonte de água potável para mais de 100 mil pessoas em Tikamgarh, diss Giri.

Mas, segundo ela, "agricultores do Estado vizinho estão tentando abrir as compartas da barragem e usar tubulações para desviar água ilegalmente. Por isso estamos sendo obrigados a empregar guardas."

"A situação nunca antes foi tão grave"

Tikamgarh não é a única área atingida pela seca. A região de Bundelkhand, na Índia central, abrange os Estados de Madhya Pradesh e Uttar Pradesh e está passando pela pior estiagem da história.
As plantações na região foram fortemente prejudicadas. O gado está morrendo de sede e pela falta de pastagem. E cresce o temor de que até a água de beber possa acabar antes das monções, previstas para começar em junho.

"Todos os lagos, açudes e outras fontes hídricas que antes supriam água à população em partes de Tikamgarh secaram. Sem água disponível para a irrigação, os agricultores abandonaram suas plantações e estão migrando para cidades próximas em busca de meios de subsistência. A vida está muito difícil para eles", disse o jornalista local Rajendra Adhvrayu, que escreve sobre problemas de água na região.

"A situação nunca antes esteve tão drástica. Esta é a primeira vez que a disputa por água degenera em uma espécie de batalha. Tememos que a situação fique grave nos próximos meses."

O rio Jamuniya divide os Estados de Madhya Pradesh e Uttar Pradesh em parte de sua extensão. Um acordo de partilha de água firmado em 1974 garante a Madhya Pradesh 17% da água armazenada na barragem de Jamuniya, em Uttar Pradesh.

Noah Seelam - 25.abr.2016/AFP
Moradores de vila indiana transportam água coletada em fonte em região atingida pela seca
Moradores de vila indiana transportam água coletada em fonte em região atingida pela seca

Madya Pradesh guarda sua parte da água em cinco barragens, incluindo a de Bari Ghat. Este ano, porém, só há água disponível em Bari Ghat. As outras quatro barragens -Harpura, Charpuva, Madiya e Sudan-estão secas.

Laxmi Giri disse que as autoridades de Tikamgarh cortaram o fornecimento de eletricidade aos agricultores do vizinho Estado de Uttar Pradesh, para tentar impedir que água seja bombeada da barragem para uso na irrigação.

Os agricultores estão recorrendo a bombas movidas a diesel para tirar água do reservatório. "A administração não conseguiu convencê-los a não desviar água ilegalmente da barragem", falou Giri.

Enquanto isso, a previsão do Departamento indiano de Meteorologia de que o país inteiro pode sofrer calor anormal em maio e junho, com ondas de calor mais longas e fortes, preocupa muitas pessoas em Bundelkhand.

ALÍVIO

O departamento de Meteorologia prevê que as chuvas das monções sejam mais fartas que a média este ano, trazendo potencial alívio da seca. Mas as chuvas, que normalmente chegam na segunda semana de junho, têm atrasado regularmente nos últimos anos.

Para Jayant Verma, um morador de Tikamgarh, mudar-se para outro lugar para encontrar água, mesmo que apenas temporariamente, não é uma opção viável para muitas famílias.

"Meus filhos estudam aqui. Meu emprego está aqui. Não posso ir para qualquer outro lugar com minha família", ele disse. "Não sei o que vamos fazer. O governo não ajudou em nada até agora."

A busca por água se intensificou tanto que em muitos lugares, incluindo o distrito de Dindori, em Madhya Pradesh, crianças descem em poços profundos, quase secos, para tentar resgatar o pouco de água que ainda resta.

Em algumas partes de Bundelkhand, os agricultores não puderam semear plantação alguma este ano, e os animais de criação estão em risco.

"Sem água, os animais estão morrendo. Não podemos fazer nada", falou Kanta Prasad, que vive no subdistrito de Jatara, em Tikamgarh. "Se dermos água aos animais, não sobrará nada para nós. É desesperador. Cada gota de água é preciosa."

O ministro chefe de Madhya Pradesh, Shivraj Singh Chouhan, prometeu que água de beber será fornecida a quem precisa dela. Ele disse que o governo preparou um plano de contingência para fazer frente à seca cada vez mais grave e anunciou uma revisão em alto nível da situação na região.

Aos moradores resta esperar por chuva e se preocupar.

"Como vai ficar se as monções chegarem atrasadas?", disse Adhvrayu. "Ou se não chegarem, como em anos anteriores?"

Tradução de Clara Allain


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