Folha de S. Paulo


Primeira 'candidata ET', Hillary promete divulgar arquivos sobre óvnis

Quando o apresentador Jimmy Kimmel perguntou sobre óvnis a Hillary Clinton em uma entrevista na TV, ela não demorou a corrigir sua terminologia.

"O nome mudou, você sabe", disse Hillary, na entrevista transmitida em março. "Agora é fenômeno aéreo não explicado. UAP [na sigla em inglês]. É essa a nomenclatura atual".

John Sommers/Reuters
A pré-candidata democrata à Presidência dos EUA Hillary Clinton durante comício em Louisville
A pré-candidata democrata à Presidência dos EUA Hillary Clinton durante comício em Louisville

Conhecida por seu domínio sobre as questões de política pública, Hillary falou extensamente em sua campanha presidencial sobre tópicos que variam da pesquisa sobre o Mal de Alzheimer às tensões militares no Mar do Sul da China. Mas é seu incomum conhecimento sobre extraterrestres que conquistou a atenção de uma pequena mas devotada categoria de eleitores.

Hillary prometeu que, exceto em caso de ameaça à segurança nacional, ela abriria todos os arquivos do governo sobre o tema, o que representa uma mudança de postura em comparação ao presidente Barack Obama, que costuma descartar o assunto como piada. A posição dela entusiasmou os adeptos dos óvnis, que a declaram "a primeira candidata ET".

"Hillary adotou esse tema com um nível de interesse sem precedente na política dos Estados Unidos", disse Joseph Buchman, que apela há décadas por mais transparência do governo quanto aos extraterrestres.

ÁREA 51

Hillary, candidata cautelosa que muitas vezes se queixa de ser alvo de teorias da conspiração propagadas pelos republicanos, demonstrou surpreendente facilidade quanto a discutir a possibilidades de seres extraterrestres.

Ela declarou em entrevistas recentes que, como presidente, divulgaria informações sobre a Área 51, uma remota base da força aérea em Nevada que muitos acreditam ser um núcleo secreto no qual o governo armazena informações sigilosas sobre alienígenas e óvnis.

Em entrevista no rádio no mês passado, ela declarou que "quero abrir os arquivos o máximo que pudermos". Perguntada se acredita em óvnis, Hillary respondeu que "não sei. Quero ver o que as informações revelam". Mas, acrescentou, "existem histórias suficientes em circulação para que me levar a crer que não se trata simplesmente de algo inventado por pessoas que não têm o que fazer".

Quando perguntada sobre extraterrestres em uma entrevista ao jornal "Conway Daily Sun", em New Hampshire, no ano passado, Hillary prometeu "ir ao fundo da questão".

"Creio que talvez possamos ter sido visitados", ela disse na entrevista. "Mas ninguém sabe ao certo".

APELO ELEITORAL

Embora os norte-americanos tipicamente apontem para questões como a economia e terrorismo como prioridade para o próximo presidente, o desejo de respostas sobre os alienígenas inspira um apaixonado bloco de eleitores, que fazem ouvir suas vozes na mídia social.

Stephen Bassett, que pressiona o governo por informações quanto a questões extraterrestres, considera que ter Hillary na presidência seria uma chance de os Estados Unidos enfim revelarem tudo que sabem sobre a vida fora da Terra. Desde novembro de 2014, a organização de Bassett enviou cerca de 2,5 milhões de mensagens no Twitter aos pré-candidatos à presidência, autoridades eleitas e a mídia, instando por uma discussão séria da questão.

"O que foi uma tempestade agora é um firme gotejar de perguntas", disse Bassett.

O movimento viu a decisão de Hillary de corrigir Kimmel quanto ao uso do termo óvni, que muita gente vê como impreciso e mais relacionado à ficção científica do que à ciência, como um momento claro de avanço, porque "sugeriu que ela tenha sido informada por alguém a respeito, e não tratou a coisa como brincadeira", disse Buchman.

CORTINAS ABERTAS

E Hillary de fato havia sido informada. Quem a preparou quanto à questão foi John Podesta, o presidente de sua organização de campanha, que não só é um veterano respeitado da política em Washington, tendo servido aos presidentes Obama e Bill Clinton em postos importantes, como um defensor da divulgação de informações governamentais sobre fenômenos não explicados que possam provar a existência de vida inteligente fora da Terra.

"Já passou da hora de abrir completamente as cortinas", escreveu Podesta em seu prefácio a "UFOs: Generals, Pilots and Government Officials Go on the Record", livro da repórter investigativa Leslie Kean sobre o assunto, lançado em 2010.

A posição de Hillary Clinton não é uma resposta política à opinião pública - 63% dos norte-americanos não acreditam em óvnis, de acordo com uma pesquisa da Associated Press. Mas reflete as décadas de sobreposição entre a ascensão de Bill e Hillary Clinton ao poder e a obsessão da cultura popular com a mais misteriosa questão do universo.

Em 1996, Hillary foi ridicularizada depois que Bob Woodward reportou em seu livro "The Choice" que, como primeira dama, ela havia conversado com os espíritos de pessoas que a inspiraram, como Eleanor Roosevelt e Mohandas Gandhi. O excêntrico jornal sensacionalista "Weekly World News" sonhou manchetes espetaculares sobre a adoção de um bebê alienígena por ela e sobre o "ninho de amor para óvnis" que ela supostamente manteria.

A VERDADE ESTÁ LÁ FORA

A Presidência de Bill Clinton também coincidiu com a série de TV "Arquivo X" e filmes como "Independence Day", que criaram fascínio quanto à existência de alienígenas e a possibilidade de uma campanha de acobertamento pelo governo.

Podesta, fanático entusiasta da série "Arquivo X", era presidente de um fã-clube da série na Casa Branca da era Bill Clinton. "O fã-clube de Arquivo X gostaria de convidar você e Mulder para um almoço na Casa Branca. Mas esconda o assunto do chefe", ele escreveu em um e-mail em 1998, em referência aos protagonistas da série, Fox Mulder e Dana Scully, de acordo com documentos da Casa Branca. Em 1999, Podesta fez uma festa de 50º aniversário cujo tema era "Arquivo X". O casal Clinton compareceu.

Quando ele deixou a Casa Branca no ano passado, antes de começar a trabalhar na campanha de Hillary, Podesta postou no Twitter: "Meu maior fracasso em 2014: Uma vez mais, não consegui garantir a #liberaçãodosarquivosóvni. #averdadeestáláfora".

Podesta se recusou a comentar para esta reportagem.

MITOLOGIA

Hillary, que fala frequentemente sobre suas aspirações a ser astronauta, quando menina, demonstra simpatia aos esforços de Podesta.

Em 1995, fotografada em uma visita ao filantropo bilionário Laurance Rockefeller, em Jackson Hole, Wyoming, Hillary levava sob o braço uma cópia do livro "Are We Alone? Philosophical Implications of the Discovery of Extraterrestrial Life" [estamos sozinhos? Implicações filosóficas da descoberta de vida extraterrestre], de Paul Davies.

Antes daquela reunião, John Gibbons, antigo diretor da divisão de política científica e tecnológica da Casa Branca, tinha informado a ela sobre Rockefeller, que havia pressionado o governo por anos a liberar arquivos relacionados a uma queda de aeronave em 1947 em um rancho perto de Roswell, Novo México, que se tornou origem de teorias sobre o acobertamento da queda de uma nave alienígena. Ele vai "querer falar com você sobre seu interesse em percepção extrassensorial, fenômenos paranormais e óvnis", escreveu Gibbons.

A reunião deslumbrou os proponentes de teorias de conspiração e inspirou roteiristas de Hollywood.

"Se você estudar a nossa mitologia, há elementos desse tipo de reunião", disse Chris Carter, criador e produtor executivo de "Arquivo X", em entrevista. Carter, que apoia Hillary, acrescentou que "se eu tiver de arrecadar verbas de campanha para ajudar a convencê-la a abrir os arquivos, é o que farei".

VIRADA

Quando Hillary começou a falar abertamente de óvnis e revelações pelo governo, em sua campanha de 2016, alguns ativistas correlacionaram essas declarações à reunião com Rockefeller em 1995.

Para esse subconjunto de norte-americanos que dizem que o governo está acobertando o que sabe sobre os alienígenas, e que têm forte presença na mídia social, a menção de Hillary aos extraterrestres sinaliza uma virada importante.

Outros ativistas não se importam tanto com a promessa de Hillary de "abrir os arquivos", mas desejam que políticos importantes reconheçam que os seres humanos podem não ser a única forma de vida inteligente no universo. Uma grande vitória, dizem alguns, seria que os candidatos tivessem de responder a perguntas sobre isso em um debate presidencial.

"Discutir esse assunto não deveria ser causa de vergonha", disse Christopher Mellon, antigo agente de inteligência no Departamento de Defesa e no Comitê de Inteligência do Senado.

"Deveríamos encarar com humildade os séries limites de nossa compreensão da Física e do universo", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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