Folha de S. Paulo


Vila alemã desafia preconceitos e prospera com campo de refugiados

Quando as autoridades estaduais procuraram a prefeita Grit Richter, em outubro, para lhe dizer que planejavam alojar temporariamente até mil refugiados da Síria, Afeganistão e outros lugares em um antigo complexo de escritórios na pequena cidade de Sumte, ela não conseguia imaginar como aquilo poderia funcionar. Há escassez de empregos, transporte público e outras conveniências, na área, e os moradores estavam ansiosos quanto aos recém-chegados.

Passados seis meses das primeiras chegadas, não só o medo de violência e de desgaste nos serviços públicos não se materializou mas o abrigo trouxe benefícios, entre os quais dezenas de empregos para a sonolenta aldeia de 102 moradores e a isolada região rural do norte da Alemanha onde ela se localiza.

Existem poucos sinais de fricção, e se as pessoas ainda têm preocupações, elas não parecem dispostas a falar delas a repórteres. Os moradores têm iluminação melhor e mais policiamento, e alguns até esperam que o centro de refugiados venha a se manter operacional depois que o ciclo previsto de um ano de ocupação se conclua.

"O que foi muito positivo foi o aspecto do emprego - que é muito importante - e o impulso econômico que ele trouxe. Isso era necessário aqui", disse Richter, prefeita do município de Neuhaus, que inclui Sumte. "Seria bom que durasse".

APREENSÃO

Ela nem sempre se sentiu tão confiante.

"Meu primeiro pensamento foi, meu Deus, tantos refugiados, tanta gente naquele edifício - a infraestrutura de Sumte não tem como lidar com isso... como vamos fazer?", recorda Richter, que recebeu o telefonema do governo estadual quanto o influxo de refugiados estava em seu pico. No total, quase 1,1 milhão de pessoas foram registradas como em busca de asilo pela Alemanha, no ano passado.

A Alemanha vem sendo o principal destino dos imigrantes na Europa, já que diversos outros países relutam em carregar parte dessa carga. E embora os alemães em geral tenham acolhido bem os refugiados, isso não se provou verdade em toda parte; multidões protestaram ruidosamente contra os refugiados e conquistaram manchetes em algumas áreas, especialmente no leste do país, que antes constituía a Alemanha Oriental, comunista.

Em uma reunião de munícipes na cidadezinha de Neuhaus, ao lado de Sumte, os moradores expressaram preocupações, ocasionalmente de modo acalorado, sobre a segurança das crianças, a perspectiva de chegada de muitos homens solteiros e a possibilidade de colapso do sistema de esgotos, entre outras coisas.

"Muitas perguntas foram feitas, as pessoas estavam muito ansiosas - mas vimos em retrospecto que esses temores eram infundados", disse Kim-Eileen Fischer, 20, que se formou no segundo grau na metade do ano passado e se tornou chefe assistente de cozinha no centro de refugiados.

CHEGADA

Os primeiros refugiados chegaram no começo de novembro, depois de semanas de trabalho frenético para preparar o edifício. Jens Meier, que o administra, contratou cerca de 70 pessoas para colocá-lo em operação: seguranças, pessoal de cozinha e de enfermaria, administradores e outros. Ele diz que mais de 40 dessas pessoas eram moradores locais.

Entre estes está Sabine Schack, que foi contratada para dirigir a lavanderia, depois de perder o emprego que teve por 20 anos. Ela disse que "foi muito agradável, muito importante" conseguir o novo trabalho, depois de 18 meses de licença-saúde.

"É preciso encarar o desafio e não aceitar os preconceitos", ela diz sobre a tarefa de alojar os imigrantes. Ela continua em contato com duas famílias que já deixaram o centro, no qual as pessoas passam os primeiros meses de sua estadia na Alemanha, antes de serem transferidas a acomodações mais permanentes.

VILA DE REFUGIADOS

Passar por Sumte - essencialmente uma única rua de casas bem cuidadas, ladeada por árvores frutíferas em flor - é fácil passar pelo centro de refugiados sem perceber.

O complexo de um pavimento, no passado sede de uma empresa de cobrança de dívidas que era o maior empregador local, fica escondido em uma travessa no limite da aldeia, entre pastagens onde vacas e cavalos são visíveis. Há um ponto de ônibus e mais nada. A loja e a lanchonete mais próximas ficam em Neuhaus, a quatro quilômetros de distância.

Muitos moradores locais fazem longas jornadas durante a semana até Hamburgo ou a cidade de Lüneburg, a maior da área, mas o centro de refugiados significou encomendas para empresas locais e empregos perto de casa para algumas pessoas.

Antes da chegada dos primeiros imigrantes, os sistemas de esgoto e bombeamento foram melhorados e mais postes de iluminação instalados. As luzes agora ficam acesas a noite toda, em lugar de serem desligadas por motivo de economia. O município agora conta com quatro policiais, em lugar de dois, e o posto policial fica aberto por mais tempo. O governo estadual cobre a maior parte dos custos, e um fabricante de equipamento de iluminação fez uma doação.

VIDA COTIDIANA

Houve pequenos problemas, rapidamente resolvidos, entre os quais uma queixa de que jovens que se reúnem no ponto de ônibus jogaram garrafas vazias em um campo vizinho. As garrafas foram recolhidas, os moradores do centro foram instruídos a não voltar a fazê-lo e um novo ponto de ônibus foi colocado, perto do abrigo, como ponto de reunião para os jovens.

Com essa exceção, "a vida cotidiana não mudou", disse Richter. Os moradores locais se acostumaram a encontrar os refugiados no supermercado, transportados do centro em ônibus fretados. Embora os moradores do centro e os locais não tenham muito contato, os refugiados organizaram um show de natal ao qual os moradores da aldeia foram convidados.

No final, o número de refugiados em Sumte chegou a um pico de 706. Agora, caiu a 115, sem novas chegadas desde o final de fevereiro.

"A tranquilidade da área pode ter influído", disse Meier, a cozinheira do centro de refugiados. "Aqui é possível realmente relaxar, se você vem de circunstâncias turbulentas".

Amir Sharafiddin, 26, de Homs, Síria, disse que a vida sossegada "não é problema" para pessoas vindas de um país alquebrado - "isso faz bem a elas".

Morador do abrigo há cinco meses, ele agora ajuda como tradutor de árabe para inglês, e diz que quer tentar retribuir aos alemães, por medo de que eles "se cansem".

"Não tenho coisa alguma de ruim a dizer sobre Sumte", ele afirmou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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