Folha de S. Paulo


Trump quer anular decisões de Obama e ameaçar empresários ao tomar posse

Donald Trump agora se tornou o virtual candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, mas também está bastante ciente de que muita gente em seu partido —e muitos cidadãos norte-americanos— estão assustados e ansiosos diante da ideia de tê-lo na Casa Branca. Nem mesmo Trump tem certeza sobre como o país se ajustaria aos primeiros cem dias de sua eventual Presidência.

O que ele sabe, porém, é o que deseja fazer nesses primeiros meses. Em uma série de entrevistas recentes, ele delineou planos que envolvem confrontos com líderes empresariais quanto ao emprego e importantes papéis para generais, executivos e talvez até membros de sua família, em assessorá-lo sobre como dirigir o país.

Pouco depois da eleição de 8 de novembro, o presidente eleito Trump e seu vice —provavelmente um governador ou um parlamentar— começariam a entrevistar candidatos para a cadeira aberta na Suprema Corte, e chegariam a rápido acordo quanto à indicação de um sucessor semelhante ao juiz Antonin Scalia.

Ele lançaria uma ofensiva de relações públicas para "começar a criar um governo baseado em relacionamentos", talvez convidando os líderes republicanos no Congresso, Paul Ryan e Mitch McConnell, a uma escapada do gélido inverno de Washington para uma estadia em Mar-a-Lago, jogando golfe e desfrutando de lagostas de um quilo.

No dia da posse, ele iria a um ou dois "belos" bailes de gala, mas seu foco seria principalmente rescindir ordens executivas de Obama sobre a imigração e telefonar a executivos de grandes empresas com a ameaça de medidas punitivas se eles transferirem postos de trabalho para fora dos Estados Unidos.

E, pelo final de seus primeiros 100 dias como 45º líder do país, a muralha na fronteira com o México já teria seu projeto concluído, a proibição à imigração de muçulmanos estaria em vigor, a auditoria do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estaria em curso e os planos para repelir a Lei de Acesso à Saúde (Obamacare) começariam a ser implementados.

"Sei que as pessoas não estão certas, agora, de como seria Trump na Presidência", disse. "Mas as coisas serão boas. Não estou disputando a Presidência para criar instabilidade no país".

O "New York Times" entrevistou Trump três vezes nos dois últimos meses, a mais recente das quais no sábado (30), e falou com diversos de seus assessores de campanha e confidentes.

A possibilidade de termos Trump na Casa Branca —um desfecho que no passado parecia fantasioso se tornou menos remota na noite de terça, quando seu principal rival, o senador pelo Texas, Ted Cruz, abandonou a disputa, seguido pelo governador do Ohio, John Kasich, nesta quarta (4).

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SUBESTIMADO

A despeito de sua visão radical de como refazer o país e de toda a sua retórica fanfarrona sobre assuntos juvenis como as dimensões de sua anatomia —para não mencionar as pesquisas de opinião pública que o mostram em desvantagem diante de Hillary Clinton—, 20 de janeiro poderia ver a posse do mais subestimado dos políticos norte-americanos como presidente.

Embora professe certa surpresa diante de seu sucesso, Trump parece cada vez mais seguro de onde estará dentro de oito meses.

Ele descreveu sua visão de transformar o Salão Oval em uma sala de conselho de alta potência, confiando mais nos líderes militares do que em especialistas em questões externas, quanto aos assuntos internacionais, e continua a falar asperamente de seus adversários. Talvez ele esteja postando menos no Twitter, mas todo mundo sabe o que ele pensa.

"Como presidente, trabalharei desde o primeiro dia com o meu vice e equipe a fim de deixar claro que os Estados Unidos mudarão de muitas maneiras, e para melhor", disse Trump em entrevista por telefone no sábado (30).

"Não podemos perder tempo. Quero um vice-presidente que me ajude a ter grande impacto rapidamente sobre o Congresso e a mensagem será clara, para o povo norte-americano e para o mundo, de que o governo dos Estados Unidos agora usará seu poder de modo diferente".

Mas ele também reconheceu que pode enfrentar protestos significativos e incessantes —talvez milhares de pessoas protestando no National Mall enquanto ele faz seu juramento de posse em um escritório próximo, no Capitólio.

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UNIÃO

Trump disse que tentaria unir os republicanos, independentes e os democratas insatisfeitos, nos próximos seis meses, até a eleição de novembro, e ao assumir trabalharia para demonstrar aos norte-americanos que seu maior interesse é lutar pelas necessidades deles.

Ele argumentou que o fato de que não dependerá de doadores ricos para bancar sua campanha atrairá muitos eleitores, que perceberão que "ninguém me compra, ninguém me paga".

"Sei que nem todos gostarão de tudo que faço, mas não estou concorrendo para ser o presidente favorito de todo mundo", disse Trump. "As coisas estão seriamente erradas neste país. As pessoas estão sofrendo, os negócios estão sofrendo. Estou concorrendo para promover grandes mudanças rapidamente."

Diversos amigos e aliados de Trump dizem que "negociar" é a palavra que ele mais usa para resumir seus cem primeiros dias no poder.

Ele quer colocar pessoas de vontade forte —executivos e generais são as categorias que menciona com mais frequência— em postos de gabinete e no primeiro escalão de sua equipe, e instruí-los a negociar acordos e planos com os líderes do Congresso e as autoridades estaduais, bem como com empresas de seguros e outras companhias do setor privado.

Eles afirmam que Trump faria o que prometeu ou continuaria tentando, ciente de que seus partidários o abandonariam rapidamente caso não o faça. "Ele não vai se afastar da agenda que estabeleceu, nem um pouco", disse Roger Stone, veterano colaborador e confidente de Trump.

Stone se recusou a descrever detalhes de suas conversas particulares com Trump, limitando-se a dizer que "tendo declarado mil vezes que vai construir um muro [na fronteira com o México], ele construirá um muro. Ele disse que renunciaria aos acordos comerciais: seus eleitores exigirão que o faça. Ele sabe disso".

INÉDITO

Os Estados Unidos modernos jamais viram algo parecido com um governo Trump. Líderes empresariais e até figuras do mundo do entretenimento se elegeram para governos estaduais, claro, e insurgentes como Newt Gingrich ascenderam ao poder.

Mas o que temos aqui é diferente. Incorporador imobiliário em Manhattan e bombástico astro de um reality show, Trump seria um presidente sem precedentes.

Mas a maioria dos historiadores sugere que o país se adaptaria a isso. Ele não demoraria a se ver consumido pelas tarefas urgentes e normalizadoras de criar um gabinete e montar uma equipe, e garantir a Wall Street e ao público que é capaz de governar o país.

"Trump está prevendo que será capaz de fazer tudo isso, mas a carga de trabalho será imensa, e o poder dele seria limitado por precedentes, pela burocracia e pela Constituição", disse Robert Dallek, historiador da Presidência.

"Mesmo quanto ao comércio internacional e imigração, áreas em que Trump promete promover mudanças revolucionárias, o Congresso tem influência. Muita gente tem influência. O presidente não é um rei."

Mas Trump assumiu em suas entrevistas o compromisso de realizar suas promessas eleitorais, mesmo que elas se provem desordenadoras ou explosivas.

Em seu primeiro dia no cargo, disse, ele se reuniria com dirigentes do Departamento de Segurança Interna (DSI), generais e outros —Trump não mencionou diplomatas— para tomar providências para selar a fronteira sul do país e designar mais agentes de segurança para o perímetro.

Ele também pretende ligar para os presidentes de empresas como a Pfizer, Carrier, Ford e Nabisco e alertá-los de que seus produtos poderiam enfrentar tarifas de 35%, porque eles estão transferindo empregos para fora do país.

Os democratas e alguns republicanos alertaram que os mercados financeiros reagiriam adversamente e que as posturas protecionistas de Trump poderiam arremessar o país a uma recessão, mas ele insistiu em que o comércio internacional "está matando o país" e que "os mercados ficarão bem".

"Negociações bilaterais com o México sobre a muro seriam iniciadas rapidamente, e eu não demoraria a receber presidentes de empresas no Salão Oval", afirmou. "O Salão Oval seria um lugar ótimo para negociar. Atrairia respeito imediato da outra parte, compreensão imediata sobre as prioridades do país."

Quanto a que líder estrangeiro ele buscaria contatar primeiro, como presidente, Trump disse que "isso não seria necessariamente uma prioridade".

"Teríamos de assumir posição mais dura quanta aos outros países", afirmou. "Somos a polícia do planeta, hoje. Por isso, eu não os procuraria de imediato, para não nos envolver ainda mais."

HOLOFOTES

Para o bem ou para o mal, ele atrairia a atenção do país como nenhum outro presidente moderno, e não só pelo seu pendor por redecorar usando muito ouro e batizar aviões, edifícios e qualquer outra coisa que veja pela frente com o seu nome. (A bem do registro, ele disse não ter planos ambiciosos de reforma de edificações.)

"Os primeiros cem dias dele seriam fascinantes", disse Ari Fleischer, que foi secretário de imprensa do presidente George W. Bush. "A questão seria determinar sua capacidade de atenuar a retórica de campanha e cuidar da séria tarefa de criar uma Presidência baseada em julgamento sólido e na construção das coalizões necessárias".

Fleischer disse que era possível que Trump conseguisse fazer esse ajuste, dados seus frequentes comentários sobre negociar com democratas e republicanos a fim de chegar a compromissos.

"Esse lado dele me intriga", disse Fleischer. "Ele continua a aludir ao fato de que se dará bem com as pessoas. É quase como se Trump estivesse fazendo uma jogada astuta. Hoje, dureza na campanha. Amanhã, flexibilidade nos acordos." Ele acrescentou: "É claro que, se ele vencer, terá força, terá ímpeto, terá um mandato do povo. Isso ajudaria".

Trump parecia ciente de que seus primeiros meses no cargo seriam consumidos com a tentativa de garantir a confirmação dos membros de seu gabinete e talvez a de um novo juiz para a Suprema Corte, e com a indicação de ocupantes para postos burocráticos.

Ele deixou claro que não estava interessado em delegar essas tarefas e que queria garantir que seus indicados compartilhassem de sua filosofia de governo.

Um de seus mais próximos assessores, sua filha Ivanka, provavelmente continuaria a trabalhar na companhia de Trump, mas ele disse que buscaria os conselho dela e de seu marido, o empreendedor Jared Kushner, e apontou que familiares do presidente ocuparam cargos governamentais no passado.

Até mesmo postos que podem parecer incidentais no universo de Trump, como o de enviado às Nações Unidas, aparentemente ocuparam seus pensamentos.

"Já pensei em um embaixador para a ONU, um secretário da Defesa e um secretário do Tesouro, mas penso antes de tudo em vencer", disse Trump. "De outra forma estaria perdendo meu tempo. Quero nesses postos pessoas que se preocupem em vencer. A ONU não está fazendo coisa alguma para pôr fim aos grandes conflitos no planeta, e por isso seria necessário um embaixador para vencer, capaz de chacoalhar a ONU."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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