Folha de S. Paulo


Trump é audaz no mundo dos negócios, mas coleciona fracassos

"Meu estilo de fechar negócios é simples e direto. Miro bem alto e pressiono, e pressiono, e pressiono para conseguir o que quero", diz Donald Trump em "A Arte da Negociação", seu best-seller de 1987, que define como o segundo melhor livro do mundo (a Bíblia ganha).

Hoje Trump quer ser presidente dos Estados Unidos. Pré-candidato republicano à sucessão de Barack Obama, promete levar à Casa Branca sua "fórmula de sucesso" como empresário.

Brendan McDermid/Reuters
U.S. Republican presidential candidate Donald Trump speaks during a rally in Wilkes-Barre, Pennsylvania, U.S. April 25, 2016. REUTERS/Brendan McDermid ORG XMIT: NYK507
Pré-candidato republicano Donald Trump durante campanha na Pensilvânia, em abril

Ele é o 324º homem mais rico do mundo no ranking de 2016 da revista "Forbes". Da fortuna de US$ 4,5 bilhões (R$ 15,5 bilhões), gerada sobretudo no ramo imobiliário, já tirou cerca de US$ 40 milhões para autofinanciar sua campanha.

Trump questiona a medição da "Forbes": acha que vale "ao menos US$ 10 bilhões" —30% desse bolo para o valor de sua "marca".

Ela é onipresente na Trump Tower, seu prédio de luxo com 58 andares na Quinta Avenida de Manhattan (mora na cobertura triplex).

Está nos 24 sabores do "Sorvete Trump", na "Salada Ivanka" (batizada com o nome da filha) do Trump Grill ou nos drinques do Trump Bar, como o "Bloody 'Você Está Demitido!' Mary" (referência a seu bordão no reality show "O Aprendiz").

Na saída, uma loja vende de ursinhos de pelúcia com seu nome a camisas do Clube de Golfe Trump.

Em sua autoajuda empresarial, o magnata recomenda diversificar sua frente de negócios, pois "a maioria delas vai fracassar". Colecionador de fiascos empresariais, ele sabe do que fala.

Muitos de seus empreendimentos tiveram vida curta, de linha aérea (1989-1992) a companhia de hipotecas (2006-2007).

Anunciado em 2007, o "Filé Trump" chegava a custar US$ 999 (pacote com 16 cortes nobres). A carne já não está mais nas prateleiras, apesar de seu idealizador servi-la a jornalistas em março, em seu clube de golfe na Flórida.

Já uma churrascaria sua em Las Vegas foi temporariamente fechada em 2012, suspeita de violar 51 normas sanitárias, como pato, iogurte e caviar fora da validade.

A "super premium" vodca Trump, que simbolizaria a "epítome" dessa bebida, durou de 2006 a 2011. Depois reviveu em Israel, quando uma importadora passou a distribuí-la com o selo kosher.

Em abril, o "Jerusalem Post" publicou reportagem afirmando que a receita continha um ingrediente fermentado proibido na Páscoa judaica, em vez de ser feita com opções aceitáveis, como batata e melaço.

Seus investimentos na área da educação também não prosperaram.

Na semana passada, a Justiça nova-iorquina aceitou acusação de fraude contra o republicano. A já extinta Universidade Trump (sem licença para oferecer cursos universitários) cobraria taxas de até US$ 35 mil e não entregaria o que promete.

O julgamento pode acontecer em meio à campanha presidencial.

No Brasil, seu toque de Midas não reluziu. Nos anos 2000, sócios brasileiros licenciaram sua grife para um megacondomínio com campo de golfe projetado pelo jogador Jack Nicklaus, sumidade no esporte.

Roberto Justus e Ana Maria Braga foram ao Trump Open, torneio de golfe armado para promover a Villa Trump, com 500 lotes de 5.000 m em Itatiba (SP). O projeto nunca saiu do papel.

MARKETING PESSOAL

Mas Trump é bom em se vender, e, "para eleitores ingênuos, pode parecer que ele tem poderes mágicos para consertar o que enxergam como um sistema político quebrado", diz Robert Erikson, professor de ciências políticas na Universidade Columbia.

Já na largada a carreira política lhe deu prejuízo. Trump anunciou sua candidatura 11 meses atrás, num discurso em que atacou a imigração ilegal e o México, que enviaria aos EUA "suas piores pessoas", de "estupradores" a "traficantes".

Foi o fim de uma parceria de 13 anos com a NBC. Em reação ao comentário xenófobo, a rede cancelou a transmissão do Miss Universo, do qual Trump era dono.

Em 2004, estrelou seu próprio reality show. Em abril, seis ex-participantes de "O Aprendiz" se voltaram contra o apresentador que dispensou a maioria deles.

O líder do "motim" foi o único do sexteto a vencer o programa. Por telefone, Randal Pinkett conta à Folha que o fez por temer as "posições perigosas" do ex-patrão.

Trabalhar por um ano nas Organizações Trump era parte do prêmio, e já no primeiro dia de escritório, em 2005, Pinkett percebeu: "Donald ama Donald".

Havia uma pilha de revistas e jornais, e post-it amarelos nas páginas que citavam o magnata.

"Como empresário, Trump teve sucesso", afirma o eleitor de Hillary Clinton.

"Mas liderar um país não é a mesma coisa. Os EUA são um dos mais diversos. Suas companhias, o contrário. Quase nenhum negro, imigrante ou mulher no alto escalão", diz o único campeão afro-americano nas 14 temporadas apresentadas por Trump.

Neste ano, ele passa o bastão a Arnold Schwarzenegger, que apoia John Kasich na corrida republicana.

O APRENDIZ

Donald Trump chegou a bordo de um Ford conversível verde, num terno vinho, para o primeiro dia da Escola de Finanças da Universidade de Pensilvânia, em 1966.

"Sou, tipo, uma pessoa muito inteligente", disse em comício no Arizona, em julho.

Um professor perguntou à classe por que estavam lá, e o calouro respondeu: "Serei o rei do setor imobiliário de Nova York".

Aos 35, o filho do magnata Fred Trump já fazia de Nova York sua versão pessoal do jogo "Banco Imobiliário". Comprara vários prédios em Manhattan, entre eles um de 14 andares em frente ao Central Park.

A transação dá um bom estudo de caso para entender como Trump lida com seus investimentos.

O plano era demolir o edifício e erguer ali um condomínio de luxo. Antes, precisava se livrar de inquilinos que gozavam de aluguéis estáveis por força de lei.

Em "A Arte da Negociação" (1987), Trump diz não ver por que, "num mundo livre", alguém deve ser subsidiado para morar em "apartamentos com pé direito alto, lareira e vista incrível numa localização imbatível".

Em processos, os moradores acusaram-no de fazer de tudo para o expulsarem, como cortar água quente e aquecimento no inverno.

Trump negou e afirmou que os aluguéis mal bancavam despesas ordinárias, daí a necessidade de conter gastos —como dispensar uniformes chiques para porteiros, "o que me poupou uma pequena fortuna de lavanderia".

"Se há algo que aprendi sobre os ricos é que eles têm um limite baixíssimo para o desconforto mais frugal", escreveu.

Na infância, a agressividade não era apenas verbal. "Na segunda série, eu dei um soco no meu professor de música porque achava que ele não sabia nada [do assunto]", narrou no livro.

"Não me orgulho, mas é uma clara evidência de que desde o começo eu tinha tendência em me fazer ouvir de uma maneira muito vívida."


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