Folha de S. Paulo


Sauditas eleitas para conselhos têm participação limitada a circuito de TV

Mal haviam superado um dos maiores obstáculos do reino, ganhando autorização para participar pela primeira vez das eleições aos Conselhos Municipais, as sauditas se depararam com outro desafio: as mulheres eleitas não poderiam ficar na mesma sala que seus colegas homens. Muito menos sentar na mesma mesa.

A proibição veio a público após os protestos de duas conselheiras de Jidda, a capital administrativa e a segunda maior cidade da Arábia Saudita. Segundo relatos, ao chegarem para seu primeiro dia de trabalho, em janeiro, Rasha Hefzi e Lama al-Sulaiman foram instruídas a ir para uma sala separada, onde poderiam assistir à sessão do Conselho Municipal e interagir com os outros membros por um circuito fechado de vídeo.

12. dez. 2015/AFP
Saudita registra seu voto em colégio eleitoral de Jeddah, em dezembro de 2015
Saudita registra seu voto em colégio eleitoral de Jeddah, em dezembro de 2015

Após protestarem, argumentando que a separação não estava prevista em lei, o Ministério Rural e de Assuntos Municipais saudita publicou um adendo às regulações existentes. Na nova norma, a decisão oficial: as conselheiras deveriam, sim, ficar apartadas dos homens.

Em meados de março, Lama al-Sulaiman renunciou ao cargo, sendo substituída por um novo conselheiro, homem. Ela se recusou a falar com a imprensa local sobre o caso.

ELEIÇÕES HISTÓRICAS

Em dezembro de 2015, a Arábia Saudita permitiu pela primeira vez que mulheres se candidatassem aos Conselhos Municipais —esfera de decisão por si só recente no país. As primeiras eleições ocorreram em fevereiro 2005, após o rei Abdullah (morto em janeiro de 2015 ) anunciar, em 2003, que parte das vagas dos conselhos seria aberta aos cidadãos. No país não são permitidos partidos políticos.

Os conselhos têm sobretudo função simbólica: sem poder legislativo, fazem apenas uma supervisão limitada de outros órgãos do governo.

A declaração real, que não discriminou o gênero dos autorizados a votar e a concorrer, animou ativistas, que passaram a cobrar as autoridades pela inclusão de mulheres. Uma das campanhas montadas nesse contexto foi batizada de Baladi, da qual participa a historiadora saudita Hatoon Al-Fassi.

Durante uma mesa-redonda no think tank Arab Gulf States Institute, em Washington, nos EUA, Al-Fassi explicou o sensível balanço que as mulheres da Baladi deveriam equilibrar: por um lado, cobrar pela inclusão das sauditas no pleito, a partir do que havia sido expresso pelo próprio rei; por outro, não se posicionar de maneira desafiante, de forma que pudessem ser tachadas de traidoras.

Uma das estratégias utilizadas pelo grupo foi a de marcar presença nas sessões dos conselhos, abertas ao público. A outra, a de seguir estritamente as normas legais existentes, utilizando-as como arma. Por exemplo, quando alguns conselheiros tentaram impedir as ativistas de assistirem às sessões públicas, elas recorreram à lei para mostrar que a interdição não existia.

12 dez. 2015/ AFP
Saudita registra seu voto em colégio eleitoral de Jeddah, em dezembro de 2015
Saudita registra seu voto em colégio eleitoral de Jeddah, em dezembro de 2015

A resistência dos conselheiros, no entanto, disse Al-Fassi, suavizou-se com o tempo, ao perceberam a força da imagem das mulheres no local para fins de relações públicas. Quando comitivas estrangeiras visitavam os conselhos, eles podiam mostrar, orgulhosos, a presença das ativistas da Baladi no local.

Em 2013, quando o rei decretou que ao menos 20% dos assentos do Conselho Shura —órgão formado somente por indicações e que tem como função aconselhar o rei— seriam ocupados por mulheres, o movimento ganhou ainda mais força. Na Shura, mulheres e homens trabalham na mesma sala, ainda que em lados separados.

Finalmente, em dezembro de 2015, as sauditas puderam pela primeira vez participar como candidatas e eleitoras para os conselhos municipais. Das 2.100 vagas abertas à concorrência, elas conquistaram 21. Outros 1.050 assentos foram preenchidos após indicações aprovadas pelo rei, e 17 deles ficaram com mulheres.

Das 130 mil mulheres registradas para votar, compareceram efetivamente às urnas 106 mil. Entre os homens, havia 1,35 milhão de eleitores registrados e cerca de 600 mil votaram. São números ínfimos diante do total da população saudita, de 29 milhões.

BALANÇO POLÊMICO

A situação de Lama al-Sulaiman e de suas colegas nos Conselhos Municipais mostram que, apesar dos recentes avanços, ainda são inúmeros os limites impostos a mulheres na Arábia Saudita.

Antigas proibições continuam vigentes, segundo a ONG Human Rights Watch: as sauditas são proibidas de dirigir e vivem sob a tutela de um guardião –geralmente o pai, marido ou irmão—, que tem poder de decisão sobre diversas esferas de sua vida, como casar, viajar e ter acesso à educação de nível superior.

De acordo com Kristin Diwan, professora na American University (Washington, DC.), não há resposta fácil à questão de se as recentes eleições na Arábia Saudita são realmente concessões às mulheres ou apenas uma ação de relações públicas do Reino.

"São ambos. No contexto saudita, a inclusão das mulheres em novas arenas públicas sempre será contestada por alguns, então neste sentido é uma concessão. No entanto, a estrutura de poder atual não concede muita autoridade política aos conselhos municipais, com homens ou mulheres", disse, em entrevista à Folha por e-mail.


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