Folha de S. Paulo


Líder de movimento islamofóbico alemão é julgado por incitação ao ódio

Sebastian Wollnow-6.fev.16/dpa via AP
Participantes de um comício do Pegida se reúnem em Dresden, na Alemanha
Participantes de um comício do Pegida se reúnem em Dresden, na Alemanha

O líder do movimento islamofóbico alemão Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente (Pegida), Lutz Bachmann, se apresentará nesta terça-feira (19) a um tribunal de Dresden (leste da Alemanha) para a primeira audiência de um processo em que é acusado de incitação ao ódio. Em setembro de 2014, ele usou o Facebook para chamar os refugiados de "gado", "lixo" e "bastardos". Para a promotoria de Dresden, Bachmann "desrespeitou a ordem pública" ao cometer "um ataque à dignidade" dos que chegam ao país fugindo de conflitos. Se condenado, pode pegar até cinco anos de prisão.

Robert Michael19-abr.16/AFP
Lutz Bachmann, fundador do Pegida, chega ao tribunal
Lutz Bachmann, fundador do Pegida, chega ao tribunal

Embora sob a mira da Justiça, Bachmann, 43, continua a fazer seus discursos nas manifestações do Pegida, que acontecem todas as segundas-feiras na praça Altmarkt, no centro histórico de Dresden. O movimento não consegue mais reunir de 10 a 15 mil simpatizantes, como ocorria no seu auge no início do ano passado, mas tem mantido uma média de cerca de 3 mil presentes – era este o público estimado no ato desta segunda (18).

Diante de faixas pedindo sua liberdade, Bachmann falou por cerca de dez minutos. Criticou a decisão do papa Francisco de acolher 12 refugiados sírios muçulmanos após a visita à ilha grega de Lesbos, no sábado (16) – para Bachmann, o pontífice "estimula a migração ilegal". Em uma pausa na sua fala, os manifestantes gritaram: "Deportar! Deportar! Deportar!"

O líder do Pegida também citou o caso do comediante alemão Jan Böhmermann, no qual a chanceler Angela Merkel autorizou a Justiça a prosseguir com um processo contra ele por injúria devido a um poema satírico endereçado ao presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. "Particularmente, acho Böhmermann um idiota, mas não podemos concordar que alguém seja processado por isso."

Juliano Machado/Folhapress
Sob proteção policial, grupo de estudantes exibe faixa contra o movimento islamofóbico Pegida
Sob proteção policial, grupo de estudantes exibe faixa contra o movimento islamofóbico Pegida

Dresden também se acostumou aos protestos contra o Pegida. Sob forte escolta policial, um pequeno grupo passa do outro lado da avenida que margeia a praça Altmarkt, vaiando e empunhando cartazes com dizeres como "Pegida? No way!". Danilo Starosta, pesquisador de uma ONG de esquerda que combate o Pegida, diz que a resistência ao movimento em Dresden vem principalmente dos estudantes. "A Universidade Técnica tem quase 40 mil alunos. Muitos são de famílias que até simpatizam com o Pegida, mas não concordam com as ideias dos pais", afirma Starosta.

Segundo o pesquisador, o perfil médio de quem participa dos atos do Pegida é: homem, de cerca de 40 anos, natural de Dresden ou da região e que não tem vínculo com partidos políticos. Muitos cultuam a "Ostalgie", palavra alemã para definir a nostalgia pela vida na antiga Alemanha Oriental – a Saxônia, Estado cuja capital é Dresden, pertencia à parte do país controlada pelos soviéticos durante a Guerra Fria.

Com a queda do Muro, a Saxônia voltou para a Alemanha reunificada, mas ainda sofre para se integrar à economia dos Estados que ficavam do lado ocidental – o desemprego na Saxônia está em 8,3%, acima dos 6,5% da média do país, segundo dados de março. Nesse caldo de frustração e de busca por um passado de isolamento, o Pegida se aproveitou do recente fluxo migratório intenso (1,1 milhão de migrantes e refugiados chegaram à Alemanha em 2015) para florescer na Saxônia.

'IMPRENSA ESTRANGEIRA, TUDO BEM'

O Pegida se diz perseguido pelos jornalistas alemães, e outro grito comum em suas manifestações é "Lügepresse" (imprensa mentirosa). Assim que a Folha abordou um dos manifestantes do ato desta segunda (18), ele perguntou a origem da reportagem e disse: "Sim, imprensa estrangeira, tudo bem. Para a da Alemanha me recuso a falar." Engenheiro, o homem que se identificou apenas como Thomas, 48, afirma que se juntou aos atos para criticar o "caos" que vive a Alemanha. "Li um artigo numa revista evangélica sobre como os índios defendiam sua terra de invasores na América do Sul. Também temos de defender nossa pátria, porque este governo louco não defende."

Jerry Lampen-17.jan.16/AFP
Protestantes do Pegida seguram faixa com a frase
Protestantes do Pegida seguram faixa com a frase "Mohammed não é bem-vindo"

Nascido e criado em Dresden, Thomas diz que "não tem nada contra" os refugiados, mas considera que "já são muitos". "Não precisamos de tantos. E a maioria não quer se integrar, falar nossa língua. Há pouco tempo fui a Berlim e em Neukölln [bairro onde há uma grande comunidade de imigrantes muçulmanos] me senti intimidado com esses migrantes vendendo drogas ao nosso lado."

Usando um chapéu de Mickey com as cores da bandeira alemã, Thomas pede para não ser fotografado por temer represálias de grupos anti-Pegida. E diz que não quer ver seu nome associado a manifestantes neonazistas, que também participam dos protestos, mas são minoria. "Quero defender minha pátria, mas não desta maneira."

Ironicamente, Bachmann, líder do Pegida, se tornou conhecido pela mídia internacional em janeiro de 2015, por uma foto em que seu corte de cabelo e o bigode aparentemente imitavam o ditador Adolf Hitller.


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