Folha de S. Paulo


Regras afetam pesquisas e democracia em prévias nos EUA, dizem analistas

Um conjunto de regras que varia de Estado para Estado e pesquisas nacionais que pouco refletem o que sai das urnas estão levando os presidenciáveis Donald Trump (republicano) e Bernie Sanders (democrata) a acusarem o sistema de prévias partidárias dos EUA de falha e corrupção.

Apesar dos exageros dos candidatos, interessados em impor sua narrativa, cientistas políticos ouvidos pela Folha apontam imperfeições no sistema eleitoral do país como raiz dos problemas e das discrepâncias nas sondagens.

David Ryder/Reuters
Eleitores durante caucus do Partido Democrata em escola de Seattle, Washington, em março
Eleitores durante caucus do Partido Democrata em escola de Seattle, Washington, em março

São frequentes casos como o de Iowa, em fevereiro, no qual os levantamentos indicavam um favorito claro –no caso, Trump– mas um rival (Ted Cruz) selou a vitória.

Entre os democratas, Sanders usou sua vitória no Michigan contrariando as sondagens, em março, para alegar que as pesquisas são usadas para desacreditá-lo.

Segundo os acadêmicos ouvidos, a variação metodológica e a frouxidão das regras nas prévias ajudam a dissociar sondagens e urnas.

Para Robert W. Oldendick, cientista político da Universidade da Carolina do Sul, há três razões para o problema.

O primeiro é tecnológico: cada vez menos pessoas atendem ao telefone, e essa é a principal forma de fazer pesquisas de opinião nos EUA, o que prejudica a amostra.

O segundo é político, já que o voto nos EUA é facultativo e a eleição ocorre quase sempre em dia útil. Para os institutos, fica mais difícil determinar se o eleitor realmente vai votar e traçar seu perfil, um problema acentuado na fase de prévias partidárias.

Por fim, há a questão conjuntural, o humor dos tempos. Com a crescente rejeição a políticos tradicionais e o cenário mais volátil, tornou-se comum mudar de ideia.

SEM ELEIÇÃO NACIONAL

O cenário se torna mais ruidoso por causa da contínua divulgação de pesquisas que mostram a opinião nacional.

Para os especialistas, elas são irrelevantes, já que as votações ocorrem de Estado em Estado. Com o sistema de colégio eleitoral, não há um confronto popular nacional: na prática, são 51 eleições locais (nos Estados e no Distrito de Columbia, da capital).

A confusão cresce nas prévias, quando alguns Estados contemplam o vencedor com toda sua delegação na convenção partidária, outros fatiam seu lote proporcionalmente, alguns adotam um sistema distrital e há, por fim, os que misturem tudo.

"Quem vê as notícias sobre as pesquisas deve prestar atenção não ao páreo geral, mas às tendências e aos detalhes", adverte Oldendick.

"As prévias não são um sistema 100% democrático, mas são mais democráticas do que escolher o candidato sem participação popular."

Amy Fried, da Universidade de Minnesota, avalia que o problema na compreensão das regras é grave entre os americanos. Como fazer?

"Republicanos e democratas têm processos diferentes, e cada Estado pode criar suas próprias regras", diz a autora de "Pathways to Polling" (o caminho das pesquisas).

Para Barbara Bardes, da Universidade da Califórnia, Trump é exemplo e vítima disso. "Ele aparece como preferido do público de alguns Estados, mas acaba perdendo por não entender a metodologia. Já Cruz entende o jogo e se concentra em vencer as prévias mesmo que não tenha a preferência da maioria do eleitorado", afirma.

Ironicamente, são Trump e Sanders os mais beneficiados pelo sistema dissonante.

Após conquistar 40% dos votos republicanos até agora, Trump soma 46% dos delegados. Sanders, com 42% dos votos democratas, tem 45% dos representantes.

Colaborou LUCIANA COELHO


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