Folha de S. Paulo


Fotos mostram que atentados do EI em Bruxelas tiveram origem na Síria

AFP
De preto, os homens-bomba Najim Laachraoui e Ibrahim el-Bakraoui chegam ao aeroporto de Bruxelas
De preto, os homens-bomba Najim Laachraoui e Ibrahim el-Bakraoui chegam ao aeroporto de Bruxelas

Em algum lugar existe um arquivo digital contendo fotos da rede de combatentes da milícia radical Estado Islâmico na Europa.

A imagem de cada combatente foi armazenada meses antes dos ataques do ano passado em Paris, e depois de cada ação terrorista o grupo acessa o arquivo e divulga as fotos. O mesmo aconteceu na quarta-feira (13).

A última edição da "Dabiq", a bem produzida revista do Estado Islâmico, inclui a imagem de Najim Laachraoui, 24, ex-aluno de uma escola católica avistado pela última vez puxando uma mala de explosivos no aeroporto de Bruxelas.

Na imagem da revista, ele está de uniforme militar e pisca sadicamente para a câmera. Ao lado dele há um homem com uma faca ensanguentada nas mãos, o que sugere que os dois haviam acabado de decapitar um cativo.

Vale notar que os uniformes dos dois homens são exatamente iguais aos usados pelos participantes do ataque a Paris no ano passado, como demonstra um segundo conjunto de fotografias e um vídeo, também retirados do arquivo.

As imagens foram registradas em algum lugar da Síria ou Iraque antes dos ataques, e tornadas públicas pouco depois. Os uniformes mostram o mesmo padrão de camuflagem para o deserto, o mesmo quepe bege e colete tático, as mesmas luvas para o deserto, com as pontas dos dedos cortadas, e uma cena comparável de carnificina grotesca.

Antes de voltar à Europa, o terrorista de Bruxelas e os autores do ataque a Paris posaram para cenas cuidadosamente coreografadas, mostrando as atrocidades que cometeram na Síria e no Iraque.

O propósito é claro: mostrar ao Ocidente que os atacantes foram realmente enviados do coração da máquina terrorista do grupo.

Bakraoui

BIOGRAFIA

Em uma breve biografia de Laachraoui, identificado também pelo seu nome de guerra, Abu Idris al-Baljiki, o Estado Islâmico afirma que foi ele que produziu as bombas para os ataques em Paris e Bruxelas.

A biografia também informa que a primeira incursão do futuro terrorista suicida à Síria foi como recruta no batalhão de Amr al-Absi, líder de um grupo que se designa como Conselho Shura Mujahedeen.

Reuters
O belga Najim Laachraoui, 24, se explodiu na saída do aeroporto de Zaventem, em Bruxelas, em 22 de março
O belga Najim Laachraoui, 24, se explodiu na saída do aeroporto de Zaventem, em Bruxelas, em 22 de março

Em 2012, esse grupo se tornou o polo de atração para os jihadistas europeus, especialmente os belgas, que acorriam à aldeia murada de Kafr Amra, nos arredores de Aleppo, na Síria, como reportou Ben Taub no "New York Times".

Mais tarde, o grupo de Absi jurou fidelidade à milícia Estado Islâmico. A biografia afirma que Laachraoui "foi um dos primeiros, em companhia do resto do grupo, a jurar lealdade".

Laachraoui passou meses se recuperando de um ferimento por bala na perna, disse a revista, antes de começar a treinar "a fim de realizar seu sonho de retornar à Europa e vingar os muçulmanos".

Depois de concluir seu treinamento, "ele viajou a longa estrada até a França para executar sua operação". Mesmo fotos que parecem estar faltando nos arquivos do Estado Islâmico podem ajudar a responder algumas perguntas.

IRMÃOS

Nem Ibrahim el-Bakraoui, que se explodiu às 7h58min no aeroporto de Bruxelas, em 22 de março, nem seu irmão Khalid el-Bakraoui, que detonou seus explosivos às 9h11min em um vagão de metrô na capital belga, no mesmo dia, aparecem nas imagens dos combatentes registradas na Síria.

As biografias de ambos na revista "Dabiq" não mencionam viagens à Síria e afirmam que em lugar disso os irmãos se radicalizaram enquanto estavam encarcerados na Europa.

AFP
Os irmãos Khalid (à esquerda) e Ibrahim el-Bakraoui, que participaram dos ataques em Bruxelas
Os irmãos Khalid (à esquerda) e Ibrahim el-Bakraoui, que participaram dos ataques em Bruxelas

Isso sugere que nenhum dos dois chegou à Síria —algo que estava em questão desde junho, quando as autoridades turcas detiveram Ibrahim el-Bakraoui em Gaziantep, cidade próxima da fronteira síria.

A cidade é um conhecido ponto de trânsito para combatentes estrangeiros a caminho de aderir ao Estado Islâmico, e isso levou a justificadas especulações de que ele havia se reunido com o Estado Islâmico na Síria.

Mas o artigo na revista do Estado Islâmico, bem como o fato de que nenhum dos irmãos parece ter posado para a foto de publicidade que se tornou padrão, parecem ter resolvido a questão.

A biografia de Ibrahim el-Bakraoui conta que, na prisão —onde ficou preso por uma série de assaltos violentos—, ele começou a ler sobre as atrocidades cometidas contra muçulmanos na Síria. "Uma ideia surgiu", diz a revista.

"Ao ser libertado da prisão, ele rapidamente se uniu ao irmão Khalid e eles começaram a comprar armas, buscar abrigos e fazer planos".

O Estado Islâmico atribui aos dois irmãos aos ataques de 13 de novembro em Paris. "Em primeiro lugar se deve a Alá, e em seguida a Ibrahim e seu irmão, que o ataque a Paris tenha acontecido".

SONHOS

Ainda que nenhum dos irmãos tenha aparentemente ido à Síria, a revista do Estado Islâmico relata uma complicada série de sonhos que Khalid el-Bakraoui supostamente teve quando estava preso na Europa.

Os sonhos desempenham papel importante na ideologia dos jihadistas. São vistos como premonições inspiradas pela divindade.

No primeiro, Khalid supostamente viu Maomé a cavalo, em batalha. Depois se viu como arqueiro disparando flechas contra o inimigo. O autor descreve um segundo e terceiro sonhos de, incluindo um que ele supostamente teve depois dos ataques em Paris.

No último, ele detona seu cinturão explosivo e sua cabeça cai ao chão, de onde é apanhada por Abu Muhammad al-Adnani, o porta-voz oficial do Estado Islâmico.

Agora sabemos que além de ser o principal propagandista da organização, Adnani também comanda um ramo do Estado Islâmico dedicado a executar ataques na Europa.

O simbolismo é claro. O Estado Islâmico quer que o mundo saiba que a ala de operações externas de Adnani teve responsabilidade direta pela carnificina em Bruxelas.

"Paris foi só um aviso", diz uma chamada sobre o artigo, na revista. "Bruxelas foi um lembrete. O que está por vir será ainda mais devastador e mais amargo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: