Folha de S. Paulo


Futuro de jornalismo é colaboração, diz criador de órgão investigativo

Em 1989, o repórter investigativo Charles Lewis deixou uma carreira de sucesso na TV americana para criar iniciativas de jornalismo colaborativo. Cansou de receber ordens e decidiu ir atrás das histórias que escolhesse.

O começo foi modesto, Charles trabalhava de casa, mas a ambição nem um pouco: criar redes de jornalistas em várias partes do mundo para fazer reportagens investigativas de temas sem fronteiras em escala planetária.

Axel Heimken - 13.set.2013/AFP
Charles Lewis, do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, participa de evento na Alemanha
Charles Lewis, do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, participa de evento na Alemanha

A ambição tornou-se realidade com a publicação dos "Panama Papers", no início deste mês. O maior vazamento de dados da história, contendo 11,5 milhões de arquivos, que expôs uma vasta rede de contas secretas e empresas offshores usadas para evitar pagar impostos ou para esconder seu dinheiro.

Os dados foram obtidos pelo jornal alemão "Süddeutsche Zeitung", que, incapaz de processar tamanho volume de dados, procurou o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (CIJI), fundado por Lewis em 2003.

"Não há modelo melhor no jornalismo do que a colaboração, como mostram os 'Panama Papers'. Essa é a maior colaboração jornalística já feita, não só por indivíduos mas também em número de organizações de mídia. É sem precedentes na história do jornalismo", diz Lewis, 62.

Quando deixou a produção do programa "60 Minutos", na época um dos maiores sucessos da TV americana, Lewis fundou o Centro de Integridade Pública, que era um dos dois órgãos de notícias independentes nos EUA, diz ele. "Hoje há 110. Ninguém sabe para onde isso vai crescer, mas vai mudar a forma de fazer jornalismo", afirma.

Segundo ele, as colaborações entre jornalistas em várias partes do mundo são necessárias em projetos com grande volume de dados e interesse global, como o "Panama Papers", e também para entrar em temas que a mídia não toca. Um exemplo é o comportamento das grandes empresas e bancos.

Na história do Pulitzer, o principal prêmio do jornalismo americano, há poucas reportagens revelando sujeiras do mundo corporativo, diz Lewis. "Nos EUA é muito mais fácil investigar a política do que o mundo corporativo."

"A maioria dos jornalistas e organizações de mídia são relutantes em se meter nisso, a menos que tenham algo espetacular e defensável. Caso contrário, sabem que acabarão nos tribunais", diz.

Lewis conhece bem os tribunais. Levou três processos por reportagens que coordenou, e saiu ganhando. Numa delas, dois bilionários russos não gostaram de ter reveladas suas ligações com o ex-vice-presidente Dick Cheney.

O processo durou cinco anos. "Sorte que tinha seguro, nossos custos com advogados chegaram a US$ 4 milhões", conta. "Eles gastaram quase US$ 10 milhões para nos enterrar, mas perderam."

COLABORAÇÃO

Embora aplauda a divulgação dos "Panama Papers", Lewis diz que a colaboração que tornou-se fácil e sem fronteiras graças à internet, também deve levar em conta riscos aos jornalistas, já que os "padrões legais" variam de um país para outro. Os "Panama Papers" envolveram 400 jornalistas e 107 organizações de mídia em 76 países.

"Há muitos países em que é duro fazer reportagens desse tipo, especialmente quando falam de pessoas que administram grandes empresas e bancos, que são as pessoas mais poderosas na sociedade em qualquer lugar."

Ele dá um exemplo de reportagem produzida no workshop de jornalismo investigativo que tem na American University, em Washington.

Com base no trabalho de um antropólogo, o objetivo era rastrear quantas bases militares os EUA têm no mundo. Descobriram que há quase mil. Entre elas, 80 novas pequenas instalações militares "criadas na surdina", diz, na África e em outros lugares.

O trabalho com o antropólogo é uma forma como ele acha que as redes de jornalismo devem se expandir. "Os especialistas devem deixar de ser apenas fontes e tornar-se parceiros nas reportagens."


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