Folha de S. Paulo


Doações de campanha eleitoral geram debate na corrida pela Casa Branca

Poucos nos EUA ouviram falar de Robert Mercer, um recluso matemático que fez fortuna com programas de computador e no mercado financeiro. Sempre longe dos holofotes, ele tornou-se o maior doador individual da atual campanha presidencial americana. Foram US$ 14 milhões (R$ 49 milhões) para comitês de apoio ao pré-candidato republicano Ted Cruz.

A ascensão de Mercer como um dos maiores financiadores políticos dos EUA foi possível graças a uma decisão da Suprema Corte em 2010, que permitiu a empresas fazer doações ilimitadas a comitês de campanha, os chamados "super PACs".

Avesso à publicidade, Mercer, 69, nunca dá entrevistas, mas o apoio a Cruz não surpreendeu. Nos últimos anos, ele tornou-se uma máquina de doações a causas ultraconservadoras, como a a pena de morte e a negação das mudanças climáticas.

CONTRA O LOBBY

O repúdio à influência de ricaços como Mercer na política é o principal combustível da campanha presidencial do senador democrata Bernie Sanders, que conseguiu colocar o financiamento no centro do debate eleitoral. Sanders orgulha-se de manter uma campanha sem dinheiro das grandes corporações.

DISPUTA DEMOCRATAS X REPUBLICANOS - Cenários possíveis para a eleição geral norte-americana, em %

Até março, ele havia arrecadado US$ 139 milhões (R$ 485 milhões), 99% em doações individuais, segundo o site Open Secrets, que monitora o dinheiro gasto em lobby nos EUA. A rival de Sanders e líder da disputa democrata, Hillary Clinton, arrecadou US$ 159 milhões (R$ 555 milhões), sendo menos de 20% de pequenas doações.

A aversão aos grandes doadores também deixa sua marca no partido rival. Líder da disputa republicana, o bilionário Donald Trump afirma estar imune à influência dos grupos de interesse porque banca sua própria campanha.

Ela havia custado até março US$ 34,7 milhões (R$ 121 milhões), 71% de seu bolso. Cada um a seu modo, Sanders e Trump "estão mexendo com o pensamento convencional sobre financiamento de campanha", diz o site Politico.

DEBATE JURÍDICO

Ao derrubar os limites para contribuições a campanhas políticas, o Supremo dos EUA entendeu que o estabelecimento de um teto violaria o direito à liberdade de expressão. A decisão foi apertada, por 5 votos a 4.

Com a morte, em fevereiro, do juiz conservador Antonin Scalia, aumentou a esperança entre os críticos da decisão de que ela seja revertida com o voto de desempate do novo membro da corte, que deve ser apontado pelo próximo presidente.

Mas não é tão simples, diz o professor de direito David Cole, da Universidade Georgetown. Um novo juiz não é suficiente para revogar uma decisão. O processo é gradual, movido a campanhas de cidadãos e decretos favoráveis em tribunais estaduais, explica ele em artigo na revista "The Atlantic".

A boa notícia, afirma Cole, é que crescem as iniciativas em Estados e municípios em apoio ao financiamento público. "Grandes doações criaram problemas sistêmicos", afirmou à Folha. "Elas dão aos ricos uma influência descomunal e enfraquecem a confiança no sistema político."

Pelas contas do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), da Suécia, 44 países proíbem doações de empresas a candidatos e partidos. Isso inclui o Brasil, onde o veto faz parte da reforma política sancionada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff.

Para os especialistas do instituto, é desejável reduzir o financiamento empresarial de campanhas não só para evitar a corrupção, mas para reduzir a influência desproporcional das grandes empresas na política.

Nos EUA, onde o lobby é uma atividade legal, essa influência molda a vida do país. E nem sempre precisa envolver dinheiro. Em um novo livro que analisa o assunto, "The Business of America is Lobbying" (o negócio da América é fazer lobby), o cientista político Lee Drutman conta que os lobbies são hoje a principal fonte de informação dos congressistas.

Uma pesquisa dele indica que dois terços dos legisladores admitem depender dos dados fornecidos por lobbistas para tomar decisões e aprovar leis.


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