Folha de S. Paulo


Para derrotar Trump, doadores republicanos passam a apoiar Cruz

Aninhado no santuário neogeorgiano do Knickerbocker Club, um dos mais antigos e mais exclusivos bastiões sociais da elite de Nova York, um seleto grupo de doadores do Partido Republicano se reuniu no final do mês passado para uma tarefa inesperada: reconsiderar Ted Cruz.

Ansiosos por derrotar Donald Trump, eles pareciam dispostos a desconsiderar diversas coisas: os ferozes ataques de Cruz a Wall Street e aos "bilionários dos interesses especiais", e suas críticas a eminentes líderes e legisladores do partido. Mas um rico executivo financeiro tinha uma pergunta: "O que você quis dizer ao atacar Trump por seus 'valores nova-iorquinos'?"

"Eu não quis atacar o povo de Nova York", respondeu Cruz, senador pelo Texas, explicando que havia criticado as políticas do Estado, e não sua população. "Amo Nova York".

Scott Olson/AFP
Os pré-candidatos republicanos Donald Trump (à esq.) e Ted Cruz, durante debate na Carolina do Sul
Os pré-candidatos republicanos Donald Trump (à esq.) e Ted Cruz, durante debate na Carolina do Sul

ALIANÇA IMPROVÁVEL

De todas as alianças amargas que estão sendo formadas por conta da oposição à agressiva campanha de Trump para conquistar a indicação presidencial republicana, poucas são menos prováveis do que os elos que começam a emergir entre Cruz e a elite de doadores de seu partido.

Desde que Cruz se elegeu ao Senado, em 2012, muitos dos doadores tradicionais do Partido Republicano o vinham rejeitando, encarando-o como um ideólogo avesso a compromissos cujas trapalhadas - especialmente o papel de liderança que ele assumiu em promover uma paralisação das atividades do governo em 2013 - prejudicaram o partido em benefício das ambições do senador.

Mas nas últimas semanas, em pequenos eventos, seja no Upper East Side de Manhattan ou nas áreas de maioria republicana em Newport Beach, Califórnia, eles estão aprendendo a amar Ted Cruz.

"O passado ficou para trás", disse Anthony Gioia, empresário de Buffalo, no Estado de Nova York, e embaixador norte-americano em Malta durante a presidência de George Bush filho, e que deve se reunir com Cruz nas próximas semanas. "O presente é o presente".

Carlo Allegri/Reuters
O pré-candidato republicano à Presidência dos EUA Donald Trump fala durante evento em Nova York
O pré-candidato republicano à Presidência dos EUA Donald Trump fala durante evento em Nova York

MEDO DE TRUMP

Estimulada pela vitória esmagadora de Cruz em Wisconsin, na terça-feira, sua campanha está agindo agressivamente para tirar vantagem do degelo, contatando alguns dos mais conhecidos doadores do partido para marcar reuniões. Muitos deles - se bem que não todos - afirmam que hoje estão mais dispostos a atender aos telefonemas do senador. Antigos doadores às campanhas de Jeb Bush e do senador Marco Rubio, da Flórida, organizaram eventos de arrecadação de fundos ou reuniões em benefício de Cruz, embora em foro privado muitos admitam ter dúvidas quanto ao seu temperamento.

"Muita gente decidiu reconsiderá-lo", disse John Catsimatidis, investidor de Nova York e magnata do varejo de alimentos que participou do evento no Knickerbocker Club. "As pessoas estão com medo de Donald Trump: esse é o motivo".

A partir da sexta-feira, em Las Vegas, o comitê de ação política que apoia a campanha de Cruz, o Trusted Leadership, promoverá um encontro com o objetivo de atrair novos doadores para a organização, até agora bancada por um pequeno grupo de famílias endinheiradas. Não por coincidência, o evento acontecerá no Venetian, um hotel e cassino controlado por Sheldon Adelson, um dos grandes doadores para campanhas do Partido Republicano e talvez o mais procurado entre os doadores.

Kellyanne Conway, presidente do Trusted Leadership, resumiu de que maneira evoluiu a visão dos doadores proeminentes sobre a disputa entre Cruz e Trump. "Se no começo a escolha para eles era entre ser morto a tiros ou por veneno, agora a situação mudou, e eles começam a ver que ele não é tão ruim".

O desafio para Cruz é estender seu alcance no mundo dos arrecadadores de verbas de campanha médios do Partido Republicano - pessoas que podem doar dezenas ou centenas de milhares de dólares à sua campanha - e ganhar acesso ao grupo de elite de bilionários capazes de assinar cheques de valor ainda mais alto para os comitês de ação política que o apoiam.

PROBLEMAS DE PERSONALIDADE

Mas restam dúvidas. Catsimatidis, um dentre os cerca de 30 participantes do evento no Knickerbocker Club, definiu Cruz como "muito, muito inteligente", mas disse que gostaria de saber por que "das 100 pessoas do Senado, 99 não gostam dele".

Cruz nem sempre desempenha bem a tarefa de pedir ajuda, e muitas vezes causa a impressão de que não se incomodaria em não recebê-la. Mesmo em conversas pessoais, dizem doadores, ele pode se inclinar a um tom hipócrita, sem demonstrar qualquer disposição de atenuar seu estilo de populismo televisivo. Seus aliados encaram a postura firme de Cruz como virtude, mas admitem que ela pode dificultar as coisas no contato com os doadores.

Perguntado qual era a maior preocupação dos potenciais aderentes, Doug Deason, importante doador para a campanha de Cruz, em Dallas, não hesitou.

"Creio que sua personalidade, acima de tudo", disse Deason, antes de defender o candidato como alguém de quem as pessoas passam a gastar, quando o conhecem melhor.

DESACORDOS POLÍTICOS

Uma adesão mais ampla da parte dos doadores vem sendo prejudicada, em alguns quadrantes, por desacordos políticos genuínos entre potenciais doadores mais centristas e o senador, conservador confesso e purista quanto a questões econômicas e sociais.

Andy Sabin, antigo partidário de Bush e dono de uma companhia que negocia metais preciosos em Long Island, disse que quando um arrecadador de doações para a campanha de Cruz o procurou recentemente, ele insistiu em uma condição.

"Eu disse a ele que para ter interesse em Ted, precisava que o senador aceitasse que o planeta está se aquecendo, e que poderemos resolver o problema e criar muitos empregos", conta Sabin. Ele diz que foi convidado na hora a participar de um dos comitês de assessoria a Cruz, mas que quando pediu que o candidato declarasse em público que acredita na mudança do clima, não voltou a ser contatado. Mesmo um sinal na direção certa lhe teria bastado, Sabin diz.

"Tudo que eles precisavam ter feito era dizer que acreditavam que essa questão deveria ser debatida só na eleição presidencial, e talvez me deixar falar com Ted ao telefone", diz Sabin, acrescentando que "eu senti que estava sendo pressionado a fazer uma doação sob falsos pretextos".

Cruz ao que se sabe recebeu apenas alguns milhares de dólares em doações de lobistas registrados - uma das bases de arrecadação para Rubio e Bush -, o que sugere que ele continua difícil de engolir por aqueles que menospreza como "o cartel de Washington".

Cruz ultimamente vem brincando sobre sua aproximação com antigos críticos e opositores, doadores ou não. Quando foi entrevistado recentemente no programa "Jimmy Kimmel Live", o apresentador comentou sobre sua paciência no que tange a conquistar novos amigos.

"O que você fez foi esperar até que eles encontrassem alguém que detestassem ainda mais do que detestam você", disse Kimmel.

"Exatamente", respondeu Cruz. "Olha, essa é uma estratégia forte".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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