Folha de S. Paulo


Campanha põe rifles nas mãos de João e Maria e Chapeuzinho Vermelho

Studio Coronado
Os personagens João e Maria com dois rifles na mão na releitura de histórias infantis feita pela NRA
Os personagens João e Maria com dois rifles na mão na releitura de histórias infantis feita pela NRA

Era uma vez uma garota que pela estrada afora ia bem sozinha, levar muitos doces para a vovozinha. Mas, nesta versão contemporânea do conto de fadas popularizado pelos irmãos Grimm no século 17, Chapeuzinho Vermelho e sua avó não temeram virar almoço do Lobo Mau.

"Não acho que eu vá ser devorada hoje", afirma a senhorinha, empunhando uma arma para o predador.

A reinvenção do clássico faz parte de uma série publicada no "NRA Family", o site "família" da Associação Nacional do Rifle, principal grupo de lobby pelo direito de portar armas nos EUA.

"Você já imaginou como esses contos de fada seriam se [alguém] tivesse ensinado Chapeuzinho ou João e Maria a usarem armas de fogo?", instiga a nota da NRA que apresenta a autora.

A parceria entre a associação e Amelia Hamilton, blogueira conservadora que também assina a série infantil "Growing Patriots" (cultivando patriotas), já rendeu essas duas fábulas reimaginadas –os irmãos apavorados pela bruxa que se alimenta de crianças, agora, se protegem com um rifle de caça.

MAÇÃ, PET E ARMAS

Nas redes sociais, Amelia se diz devota da trinca "Deus, família e nação" (também declara amor a suco de maçã e seu labrador Virgil). Em entrevista à TV CBS, ela defende que suas histórias servem "para pais que querem começar 'a' conversa" com os filhos —andar armado, no caso.

Cortejada pelos republicanos na eleição (os três candidatos no páreo, Donald Trump, Ted Cruz e John Kasich, relataram ter armas), a NRA vem perdendo influência entre os americanos, após sucessivos episódios de tiroteios e chacinas no país.

Para ativistas antiarmas,o desarmamento gradual levou-a a "apelar". "Eles estão aterrorizados com o declínio do seu negócio", disse à Folha a diretora-executiva da New Yorkers Against Gun Violence (nova-iorquinos contra a violência com armas), Leah Gunn Barrett.

"Cerca de 50% dos lares nos EUA tinham uma arma nos anos 70. Hoje são 32%."

O simpatizante típico da NRA, "o homem branco mais velho", não tem caçado tanto, e mulheres e crianças viraram o público alvo, "na tentativa de garantir mercado para o futuro", diz Barrett.

(Uma reportagem recém-publicada no site da NRA mira justamente a adesão feminina à caça: "Que notícia maravilhosa! Parece que mais e mais mulheres estão escolhendo um jeito sustentável e orgânico de obter carne".)

Para o diretor de comunicação da Coalition Against Gun Violence, Ladd Everitt, "se a NRA pode promover uma lavagem cerebral em crianças para torná-las potenciais consumidores, ela o fará com alegria".

Nem a autora nem a associação responderam a pedido de entrevista da Folha.

No Twitter, os contos de Amelia geraram paródias: "Os outros patos caçoaram dele. Então, ele trouxe uma arma e ninguém nunca mais o chamou de feio", escreveu no microblog o professor de direito Corey Yung.


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