Folha de S. Paulo


Trump defende que aliados paguem por ações dos EUA no exterior

O pré-candidato republicano Donald Trump afirmou que, se eleito presidente, poderia interromper a compra de petróleo da Arábia Saudita e de outros aliados árabes a não ser que eles se comprometam a ceder tropas terrestres para combater o Estado Islâmico ou "substancialmente reembolsem" os Estados Unidos por sua ofensiva contra a facção radical islâmica.

"Se a Arábia Saudita não tivesse a capa de proteção americana, não acho que ainda existiria", disse Trump, em uma entrevista sobre política externa concedida por telefone e que durou cem minutos.

O republicano disse também que estaria aberto a permitir que o Japão e a Coreia do Sul construíssem seus próprios arsenais nucleares para não depender dos EUA na proteção contra a Coreia do Norte e a China, ambas nações com armamento nuclear.

"Se os EUA continuarem em seu caminho, seu atual caminho de fraqueza, eles vão querer [um arsenal próprio] de qualquer forma, com ou sem eu discutindo o tema", disse Trump.

O pré-candidato disse ainda que está disposto a retirar as forças americanas do Japão e da Coreia do Sul se eles não aumentarem substancialmente os custos de habitação e alimentação dos militares. "A resposta é sim."

Se for eleito para ocupar a Casa Branca, Trump afirmou que renegociaria muitos dos tratados fundamentais dos EUA com seus aliados, incluindo o acordo de 56 anos com o Japão, que ele classificou como unilateral.

Na visão do empresário milionário, os EUA se transformaram em uma potência diluída. Para recuperar o papel central do país no mundo, ele defende apelar à barganha econômica.

O republicano abordou quase todos os atuais conflitos internacionais pelo prisma da negociação, mesmo quando foi impreciso sobre os objetivos estratégicos que deseja alcançar.

E culpou mais uma vez a administração do democrata Barack Obama nas negociações com o Irã no ano passado. "Seria tão melhor se eles tivessem ido embora algumas vezes", disse. Mas ofereceu apenas uma nova ideia sobre como mudaria o conteúdo do acordo nuclear das potências ocidentais com Teerã: proibir o comércio iraniano com a Coreia do Norte.

Trump deu argumentos similares quando discutiu o futuro da Otan, a aliança atlântica, que chamou de "injusta, economicamente, para nós". Ele disse estar aberto a uma organização alternativa focada em contraterrorismo.

Ele argumentou ainda que o melhor modo de impedir a China de posicionar bases aéreas e armamento nas ilhas disputadas no mar do Sul da China é ameaçar o acesso de Pequim aos mercados americanos. As ilhas são historicamente disputadas por diversos países, como Malásia, Filipinas, Taiwan, Brunei e Vietnã.

"Nós temos tremendo poder econômico sobre a China. E esse é o poder do comércio", disse Trump, que não fez menção à capacidade da China de retaliação econômica a uma medida desse porte.

SÃO TUDO NEGÓCIOS

As visões de Trump, como ele as explicou, não se encaixam nos ideais defendidos pelo Partido Republicano na história recente. Ele não está no campo internacionalista do ex-presidente George H.W. Bush (1989-1993) nem na missão defendida pelo também ex-presidente George W. Bush (2001-2009) de espalhar a democracia pelo mundo. Ele concordou com a sugestão de que suas ideias poderiam ser resumidas como "a América em primeiro lugar".

As ideia de Trump parecem refletir seu pouco apreço às potenciais consequências ao redor do mundo. Ele sugere que sua estratégia depende parcialmente de "quão amigável [as nações] foram" com os EUA, não apenas dos interesses nacionais e das alianças.

Em nenhum momento, Trump disse acreditar que as forças americanas que atuam em bases ao redor do mundo fazem um trabalho valioso para os EUA, apesar de administrações democratas e republicanas defenderem por décadas que a presença militar internacional é essencial para proteger o país e reunir informações estratégicas.

Como Richard Nixon, Trump enfatizou a importância da "imprevisibilidade" de um presidente americano, argumentando que as tradições do país de democracia e abertura diplomática tornaram muito fácil para os adversários e aliados preverem suas ações.

"Eu não gostaria que eles soubessem o que realmente estou pensando", disse, quando questionado sobre que tipo de ação estaria disposto a tomar sobre a disputa com a China sobre o mar do Sul da China.

Até recentemente, os pronunciamentos de Trump sobre política externa vieram por slogans como "pegue o petróleo", "construa um muro" e "impeça a entrada de imigrantes muçulmanos". Mas conforme a nomeação do candidato à Casa Branca pelo Partido Republicano chega mais perto, ele tem sido pressionado a se explicar.

Sobre o "pegue o petróleo" controlado pelo Estado Islâmico no Oriente Médio, Trump admite que esse esforço exigiria o uso de tropas terrestres, o que ele não defende. "Nós deveríamos ter pego", disse, em referência aos anos de ocupação americana no Iraque. "Agora nós temos que destruir o petróleo."

Trump não rejeitou espionar aliados americanos, incluindo líderes estrangeiros como a chanceler alemã, Angela Merkel, cujo celular estaria entre os vigiados pela NSA, a agência nacional de segurança. Obama disse que os EUA não mais espionarão seu celular, mas não se comprometeu a parar a vigilância sobre o resto da Alemanha.

"Eu não tenho certeza de que eu gostaria de falar sobre isso", disse Trump. "Você entende o que quero dizer."

O republicano não ficou impressionado, contudo, com a forma que Merkel tratou a crise de refugiados e migrantes na Europa. "A Alemanha está sendo destruída por ingenuidade da Merkel, ou pior", disse ele, sugerindo que a Alemanha e as nações do Golfo devem pagar pelas "zonas seguras" que ele quer construir na Síria.

Ao longo da entrevista, Trump pintou um quadro sombrio dos Estados Unidos como uma força diminuída no mundo, uma opinião que ele mantém desde o final dos anos 1980, quando colocou anúncios no "The New York Times" e outros jornais pedindo que Japão e Arábia Saudita gastassem mais dinheiro na defesa de seus territórios.

A nova ameaça de Trump de cortar a compra de petróleo dos sauditas fazia parte de uma denúncia mais ampla sobre os aliados árabes dos EUA que muitos na administração Obama compartilham: muitas vezes esses países esperam que os EUA sirvam de polícia do Oriente Médio, sem colocar sua próprias tropas em risco.

"Defendemos todos", disse Trump. "Quando em dúvida, venha para os Estados Unidos. Nós vamos defendê-lo. Em alguns casos, gratuitamente."

Ele não fez nenhuma menção aos riscos da retirada das tropas americanas da região, como, por exemplo, que isso encorajaria o Irã a dominar o Golfo, que a presença de tropas americanas faz parte da defesa de Israel e que as bases navais e aéreas dos EUA na região são pontos de coleta de inteligência, além de bases para drones das forças de operações especiais.

Ao criticar o acordo nuclear com o Irã, Trump manifestou particular indignação com a forma como os cerca de US$ 150 bilhões liberados para o Irã estavam sendo gastos. "Você notou que eles estão comprando de todos, menos dos Estados Unidos?"

Quando questionado sobre o fato de que as sanções previstas nos EUA ainda impedem a maioria das empresas americanas de fazer negócios com o Irã, Trump respondeu: "Então, o quão estúpido é isso? Nós damos dinheiro a eles e agora dizemos: 'Vá comprar Airbus em vez de Boeing'".

Mas Trump, que tem sido pressionado a demonstrar um entendimento básico de assuntos internacionais, insistiu que os eleitores não devem duvidar de sua fluência em política externa. "Eu sei o meu tema", disse.


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