Folha de S. Paulo


Atentados põem em xeque preparo da União Europeia contra o terrorismo

A comprovação de que os dois últimos grandes atentados na Europa foram realizados pela mesma rede terrorista num intervalo de quatro meses atraiu críticas externas contra a falta de eficiência dos serviços de inteligência, especialmente o da Bélgica, e reacendeu a discussão sobre como o continente deve lidar com o extremismo islâmico.

Dois dias após os ataques que deixaram 31 mortos e cerca de 300 feridos em Bruxelas, os ministros de Justiça e de Interior dos países-membros da União Europeia (UE) se reuniram para adotar uma política antiterrorismo efetiva para todo o bloco. O presidente francês, François Hollande, defendeu um maior compartilhamento de informações de inteligência entre os integrantes da UE.

É o que se pretende fazer acelerando a regulamentação do PNR (Registro de Nome do Passageiro, na sigla em inglês), um sistema em que as companhias aéreas terão de passar aos governos dados como nome, datas de viagens, itinerários e modo de pagamento de quem embarca em voos na Europa.

A ideia do PNR é ser um contrapeso à livre circulação de pessoas dentro do bloco, garantida pelo Espaço Schengen, do qual participam 22 dos 28 países da UE.

A deficiência da Bélgica em monitorar indivíduos com reconhecido potencial de cometer atentados ficou clara no caso de Ibrahim el-Bakraoui, um dos suicidas que se explodiram no aeroporto de Bruxelas.

A Turquia o prendeu em 2015 por suspeita de vínculo com a facção terrorista Estado Islâmico e avisou o governo belga, que disse não ter por que pedir sua extradição já que não havia crime comprovado.

Ele, então, foi deportado para a Holanda, cujo governo informou que não havia condenações contra Ibrahim e seus documentos eram válidos. Com isso, ele voltou a poder circular livremente pelo bloco.

Em reportagem do "Guardian", funcionários do governo turco acusam os países da UE de "exportar" extremistas para a Síria com o objetivo de se livrar do problema doméstico.

"Eles são tão relaxados e despreparados que preferem deixar para depois resolver isso [a questão dos radicais islâmicos em solo europeu], até que se torne crônico", afirma um desses representantes turcos ao jornal inglês.

Ataques na Bélgica

A crítica mais dura, porém, veio do ministro israelense de Inteligência e Transportes, Yisrael Katz: "Se a Bélgica continuar a comer chocolate, aproveitar a vida e aparecer como grande democrata e liberal, sem reconhecer que alguns muçulmanos em seu país organizam ataques terroristas, não será capaz de combatê-los."

Para Rik Coolsaet, professor da Universidade de Gent e membro da Rede Europeia de Especialistas em Radicalização, aumentar a repressão contra grupos já marginalizados pode ser ineficiente e até contraprodutivo.

"Pelo menos na Bélgica há um consenso de que só repreender não basta, pois a prevenção é igualmente crucial", afirma.

Prevenção, segundo Coolsaet, não é só melhorar o serviço de inteligência para impedir que radicais conhecidos pela polícia ajam, mas entender por que jovens saem do país para se juntar ao EI na Síria.

O sentimento de que o continente precisa refletir sobre o que levou às ações de Paris, que deixou 130 mortos em novembro, e Bruxelas se cristaliza na opinião da belga Tiene Lemmens, 58, membro de uma ONG de educação.

"A Europa fracassou. Temos de trabalhar juntos contra o terrorismo. Um país sozinho não pode fazer nada. Eles pegam o trem e vão para outro país", afirma. "Mas também temos de conhecer nossos vizinhos [muçulmanos]. Só assim teremos mais compreensão."


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