Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Cortejo de Washington a Havana aflige Caracas

A visita de Barack Obama a Cuba sela mais um duro revés político –e moral– para o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

O sinal mais evidente do desamparo chavista com a guinada de seu mentor ideológico e principal aliado surgiu na noite de quinta (18), quando Maduro embarcou às pressas para Havana num claro esforço para se antecipar à chegada de Obama e atrair atenções para os laços Venezuela-Cuba.

Em Havana, Maduro falou em renovar até 2030 a parceria estratégica bilateral, mas o jornal estatal cubano "Granma" só detalhou a assinatura de um acordo para combater doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti neste ano.

Teve cara de presente de consolação a cerimônia em que o ditador cubano, Raúl Castro, homenageou o presidente venezuelano com a ordem José Martí, mais alta condecoração oficial da ilha.

AFP
Venezuelan President Nicolas Maduro visited Cuban leader Fidel Castro for two and a half hours in his home in Havana, Cuba on March 19, 2016. RESTRICTED TO EDITORIAL USE-MANDATORY CREDIT
Nicolás Maduro durante encontro com Fidel Castro em Havana, um dia antes da chegada de Obama

Os cubanos pareciam mais concentrados nos preparativos para a visita de Obama.

Não há, por ora, indício de que a normalização entre Havana e Washington se dê às custas do laço com Caracas.

Mas o modelo de parceria estratégica entre Cuba e Venezuela, delineada com o convênio assinado em 2000 entre o então presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o então ditador cubano, Fidel Castro, se desgasta há anos.

A Venezuela afunda numa crise econômica que a obriga a reembolsar dívidas com a China com uma quantidade cada vez maior de petróleo e a reduzir seus envios de óleo bruto subsidiado a países aliados no Caribe, dos quais Cuba é o maior beneficiário.

Na falta de dados, é difícil saber a quantas anda o acordo pelo qual a Venezuela envia 100 mil barris diários a Cuba e recebe em troca o envio de milhares de médicos, técnicos esportivos e assessores de segurança e inteligência.

Na era da bonança petroleira, programas sociais chavistas florescem nas comunidades carentes venezuelanas graças à assistência cubana.

Muitos destes programas, porém, hoje se encontram parados pelo rombo nos cofres públicos venezuelanos, causado por um misto de má gestão, corrupção e degringolada nos preços do petróleo.

A presença cubana nos serviços de segurança leva parte da população a acusar Maduro de hipocrisia por criticar a ingerência norte-americana mundo afora e permitir interferência de um governo estrangeiro na soberania.

Por outro lado, é palpável em Havana a insatisfação dos cubanos que trabalharam na Venezuela, onde sofreram com discriminação e condições de vida tão ou mais duras do que em Cuba, diante dos altíssimos índices de violência no país sul-americano.

A reaproximação entre Cuba e EUA também alimenta chacota da oposição venezuelana, que acusa Maduro de ser o único líder da região a manter-se em irredutível confrontação com Washington. Até Bolívia e Equador permeiam seus laços com a Casa Branca com pragmatismo.

Enquanto vê seu poder sobre a economia e a política de seu país erodir, Maduro assiste ao tapete vermelho ser estendido a Obama –que acaba de renovar por um ano a ordem executiva classificando a Venezuela de ameaça à segurança dos EUA– em Havana. E espera com apreensão a possibilidade de o governo no Brasil mudar.


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