Folha de S. Paulo


Mordomo de casa com 118 cômodos de Trump conta como pré-candidato vive

Tudo parecia brilhar na mansão de Mar-a-Lago numa tarde recente. O sol refletia na piscina e nos utilitários esportivos pretos do Serviço Secreto estacionados na entrada circular. Palmeiras farfalhavam na brisa cálida, balas de croqué clicavam, e um segurança montava guarda na entrada da residência particular de Donald Trump.

"Sempre dá para saber quando o rei está aqui", comentou Anthony Senecal, que há muitos anos é mordomo de Trump na propriedade, falando do chefe da casa e candidato presidencial republicano.

O rei estava voltando naquele dia a sua Versalhes, uma mansão de 118 cômodos, que, caso seja eleito presidente, se tornará a Casa Branca de inverno e que é um paraíso para moradores de regiões mais frias da América durante o inverno. É para Mar-a-Lago que Trump vai para escapar, receber convidados e descansar na mansão em estilo mediterrâneo construída 90 anos atrás pela magnata cerealista Marjorie Merriweather Post.

Poucas pessoas aqui são capazes de prever as exigências e os desejos de Trump melhor que Senecal, 74, que trabalha no imóvel há quase 60 anos, dos quais quase 30 para Trump.

Senecal conhece os hábitos de sono de Trump, sabe como o empresário gosta de seu bife ("tão bem-passado que é quase esturricado") e que, apesar de haver um salão de beleza no local, Trump insiste em cuidar ele próprio de seu cabelo.

Senecal sabe acariciar o ego do magnata e animá-lo. Anos atrás, recebeu um aviso urgente do avião de Trump, prestes a pousar, dizendo que o empresário estava de péssimo humor. Senecal rapidamente contratou um trompetista para tocar "Hail to the Chief" quando Trump desceu da limusine para entrar na mansão.

Geralmente, porém, ele saudava Trump com pouca fanfarra, levando o terno que o empresário usava quando chegou para ser passado na lavanderia completa do subsolo.

Na manhã seguinte, antes do dia raiar e depois de dormir apenas cerca de quatro horas, Trump geralmente o encontrava na entrada de seus cômodos particulares para receber do mordomo uma pilha de jornais, incluindo "The New York Times", "The Daily News", "The New York Post" e jornais de Palm Beach. Ele emergia novamente horas depois usando calça cáqui, camiseta branca de golfe e boné de beisebol. Se o boné fosse branco, observavam os funcionários, o chefe estava de bom humor. Se fosse vermelho, era melhor manter distância de Trump.

Aos domingos Trump ia de carro ao campo de golfe vizinho. Ele alternava a cada ano entre sua Bentley preta e sua Bentley branca.

Senecal tentou se aposentar em 2009, mas Trump o considerou insubstituível; assim, ele foi libertado dos deveres de mordomo, mas mantido como uma espécie de historiador extraoficial de Mar-a-Lago. "Tony, aposentar-se é morrer", Trump lhe disse. "Vejo você na próxima temporada."

De óculos de aro de tartaruga, bigode farto e usando lenço branco no bolso do paletó preto, Senecal parece refletir a visão de mundo de seu chefe. Ele se preocupa com a possibilidade de ataques de terroristas islâmicos e critica as ex-mulheres de Trump.

E, como seu patrão, fica à vontade entre as celebridades que visitam a mansão. Hoje em dia, porém, em vez de admirar Dixie Carter tomando um creme de menta diante da lareira e recitando monólogos do programa de TV "Designing Women", Senecal encontra o governador de Nova Jersey, Chris Christie, à vontade num sofá sob o teto folheado a ouro da mansão ou batendo papo com o senador Jeff Sessions, do Alabama, na saída do luxuoso Salão Espanhol.

As observações argutas de Trump feitas pelo mordomo ao longo dos anos revelam não apenas as idiossincrasias do empresário –por exemplo, que Trump raramente é visto de calção de banho e não gosta de nadar–, mas também suas declarações exageradas habituais.

Anos atrás, Ivanka, filha de Donald Trump, dormia na mesma suíte infantil ocupada nos anos 1930 pela atriz Dina Merrill, filha de Post. Trump costumava dizer a convidados que os azulejos do quarto, com motivos tirados de personagens de cantigas infantis, foram feitos por Walt Disney quando jovem.

"Você não gosta disso, certo?", Trump dizia quando via Senecal fazendo expressão de enfado. O historiador da casa protestava, dizendo que não era verdade. "E daí?", Trump respondia com uma gargalhada.

Trump se orgulha da distância que consegue impelir uma bola de golfe. Certa vez, numa entrevista coletiva, ele disse: "Eu não bati para longe? Trump não é forte?".

Senecal sugeriu que Trump talvez não seja tão forte quanto imagina, lembrando ocasiões em que eles batiam bolas do gramado de Mar-a-Lago para a Intracoastal Waterway. "Que distância é, Tony?", Trump perguntava. "Uns 250 metros", Senecal respondia. Mas ele disse que a distância real é 205 metros.

Mas Senecal disse que Trump é generoso quando está de bom humor. Às vezes tirava cédulas de US$ 100 de um maço que levava no bolso e dava para os jardineiros, que apreciavam o gesto.

"O cara é hispânico e está ali podando as árvores quando um sujeito se aproxima e lhe dá cem dólares", falou Senecal. "Os caras o adoram. Não é apenas por isso, eles simplesmente o adoram."

A admiração de Seneca por seu patrão de muitos anos não tem limites. Em 6 de março, quando Trump passou pela sala de estar a caminho do campo de golfe, Senecal gritou "todos em pé!" para os sócios e funcionários do clube. Todos se levantaram.

Trump usava um boné com os dizeres "Make America Great Again". O boné era branco, não vermelho. Ele parecia estar de bom humor.

Tradução de CLARA ALLAIN


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