Folha de S. Paulo


Equipe de jornal fechado pela Turquia ressuscita e abre unidade clandestina

Em uma sala de 90 metros quadrados no segundo andar de um prédio velho em Istambul, cerca de 35 jornalistas se apertam em uma redação clandestina para produzir o jornal Özgür Dusünce - "Livre Opinião", em turco.

O Özgür é a nova encarnação do jornal Bugün (Hoje), que foi fechado pelo governo do presidente Tayyip Recep Erdogan no dia 28 de outubro do ano passado, sob a acusação de irregularidades financeiras e financiamento ao terror.

Flavio Forner
A capa do jornal turco
A capa do jornal turco "Bugün", fechado pela polícia, foi substituído pelo recém-criado "Özgür"

O novo jornal foi fundado um dia após a polícia invadir a redação do Bugün, algemar funcionários e colocar um interventor mandando no jornal. Um vídeo que foi transmitido ao vivo pelo aplicativo Periscope mostra o interventor com o Bugün na mão, dizendo aos jornalistas: "vocês não vão mais fazer esse jornal porcaria".

O Bugün foi fechado junto com um jornal e duas TVs do grupo Koza Ipek, do empresário Ak1n 0pek, que faz oposição a Erdogan e é ligado ao líder religioso Fethullah Güllen. Güllen é acusado pelo governo de tentar criar um "Estado paralelo" na Turquia usando sua influência no Judiciário e na polícia.

O movimento de Güllen foi aliado de Erdogan até 2013, quando os veículos de imprensa ligados ao líder religioso se somaram às vozes que acusavam o então primeiro-ministro de corrupção. Desde então, pessoas e empresas ligadas a ele são acusadas de terrorismo.

O Bügun existia há 10 anos, tinha circulação de 110 mil e publicava reportagens investigativas que desagradavam o governo, como a matéria mostrando, com fotos, o fornecimento de armas para o Estado Islâmico em uma cidade turca. Depois da intervenção, passou a ser governista e ficou com apenas 4 mil leitores. Fechou três meses depois.

O novo jornal tem circulação de 70 mil – grande parte dos assinantes migraram. Não tem nenhum anúncio, porque as estatais boicotam e anunciantes privados temem represálias de Erdogan. Mas consegue se financiar, porque aumentou um pouco o preço, diminuiu o número de páginas e funcionários e passou a usar papel mais barato. Foi fundado com as economias do editor-chefe – 12,5 mil liras turcas (cerca de US$ 4350) – e não está mais ligado ao grupo Koza Ipek.

Usame Ari - 28.out.2015/AFP
Polícia turca entra em confronto com apoiadores do jornal
Polícia turca entra em confronto com apoiadores do jornal "Bugün" e do canal de televisão Kanalturk

"Este jornal é um símbolo da luta da sociedade civil pela democracia na Turquia", diz Yilmaz.

Mas o editor-chefe sabe que o novo jornal está ameaçado.

A empresa que distribuía o Özgür Dusünce foi fechada pelo governo turco nesta sexta-feira (11). Só sobraram duas distribuidoras, uma é ligada ao governo e a outra é do grupo Dogan, que tenta evitar intervenção estatal.

"Estamos negociando, tentando convencê-los a entregar nosso jornal." No sábado, eles conseguiram convencer a distribuidora e o jornal foi entregue. Mas o editor-chefe teme que Erdogan vá pressionar a distribuidora.

Yilmaz também sabe que, a qualquer momento, a polícia pode voltar com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral e fechar o jornal.

"Se isso acontecer, pego meu paletó, vou embora e fundo outro jornal", diz.

A jornalista viajou a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia, ligado à oposição turca.


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