Folha de S. Paulo


Sudão do Sul permite estupros como pagamento a soldados, afirma ONU

A ONU afirmou que o Sudão do Sul permite que combatentes estuprem mulheres como "salário".

Em um relatório divulgado nesta sexta-feira (11), a organização descreve a situação dos direitos humanos naquele país em guerra como uma das mais terríveis do mundo.

"O Sudão do Sul está enfrentando uma das situações mais assustadoras do mundo para os direitos humanos, com o amplo uso de violações como instrumento de terror e arma de guerra", disse o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad al Hussein, ao apresentar um relatório da organização sobre a situação no país.

No seu relatório, a ONU diz que, de acordo com fontes confiáveis, as autoridades permitem que grupos aliados estuprem mulheres como "salário", seguindo o princípio de "façam o que puder e tomem o que quiser".

Fabrice Coffrini - 29.fev.2016/AFP
United Nations High Commissioner for Human Rights Zeid Ra'ad Al Hussein delivers his speech at the opening of the main annual session of the United Nations Human Rights Council main annual session on February 29, 2016 in Geneva. / AFP / FABRICE COFFRINI ORG XMIT: FAB188
Zeid Ra'ad al Hussein discursa na sessão anual do Conselho da ONU para os Direitos Humanos, em Genebra (Suíça)

"A escala e o tipo de violências sexuais —em geral cometidas por forças governamentais do Exército Popular de Libertação do Sudão e de suas milícias afiliadas— são descritos com detalhes terríveis, como a atitude, quase casual, mas calculada, daqueles que massacraram civis e destruíram propriedades e meios de subsistência", disse Al Hussein.

O Sudão do Sul, que se tornou independente do Sudão em julho de 2011, após décadas de conflito com Cartum, está imerso em uma guerra civil desde dezembro de 2013, quando o presidente Salva Kiir acusou seu ex-vice-presidente, Riek Machar, de querer derrubá-lo.

Mais de 2,3 milhões de pessoas fugiram de suas casas, e dezenas de milhares morreram por causa do conflito e das atrocidades cometidas por ambos os lados.

O relatório da ONU contém histórias de pessoas, incluindo crianças e pessoas com deficiência, que foram assassinadas, queimadas vivas, sufocadas, enforcadas e cortadas em pedaços.

"Dada a amplitude, a profundidade e a gravidade das acusações, e a repetição no modo operativo, o relatório conclui que há motivos razoáveis para crer que essas violações podem ser consideradas crimes de guerra e crimes contra a humanidade", disse o alto comissário.

De acordo com a ONU, a grande maioria das mortes de civis não parece ser resultado do conflito, mas de ataques deliberados contra civis.

A organização diz que os atores estatais tiveram maior responsabilidade pela violência em 2015, dado o enfraquecimento das forças de oposição.

ONDE FICA O SUDÃO DO SUL

ANISTIA INTERNACIONAL

A Anistia Internacional (organização não-governamental de defesa e promoção de direitos humanos) acusou o governo do Sudão do Sul de ter cometido crimes de guerra depois que suas tropas foram acusadas de sufocarem 60 meninos e homens em um container em uma igreja católica e jogarem seus corpos em um campo aberto.

A ONG entrevistou 42 testemunhas, das quais 23 disseram ter visto homens e meninos sendo forçados a entrar em um ou mais containeres e corpos sendo removidos do local.

OUTRO LADO

Um porta-voz do Exército do Sudão do Sul reivindicou que o relatório da ONU não era "genuíno".

Segundo o general Malak Ayuen, o Exército não recebeu queixas de violações de direitos humanos e adicionou que qualquer suspeito de ter cometido tais crimes será investigado e julgado.

Ayuen disse que por ora o governo está focado na finalização do acordo de paz, esboçado em agosto, que colocaria fim à guerra civil que assola o país.

"Nossa missão é proteger as pessoas do Sudão do Sul. É isso é o que estamos tentando fazer", ele completou.

Em pronunciamento sobre o relatório da Anistia Internacional, o porta-voz do presidente, Ateny Wek Ateny, disse que "as alegações feitas serão tomadas seriamente" e que "uma equipe foi designada para investigar o caso".

Ele insistiu que os soldados não mataram civis; todavia, Ayuen alegou saber dessas mortes.

"Quando as hostilidades chegam à área residencial com certeza haverá vítimas de bala perdida", disse, e adicionou que os rebeldes estavam sendo considerados como civis pelo relatório pois não usavam farda.

Segundo o general, o fato das pessoas estarem sendo queimadas vivas na verdade é resultado de incêndios acidentais causados por balas que atingem cabanas de palha.

Sobre as denúncias de estupro, Ayuen disse não haver provas de envolvimento das forças do governo nos casos.


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