Folha de S. Paulo


Com avanço de Trump, latinos buscam cidadania para votar nos EUA

Brynn Anderson/Associated Press
Donald Trump, em comício em Michigan; avanço do magnata leva latinos a buscarem cidadania
Donald Trump, em comício em Michigan; avanço do magnata leva latinos a buscarem cidadania

A retórica de campanha dura de Donald Trump contra os imigrantes mexicanos o ajudou a conquistar substancial vantagem em delegados, nas primárias republicanas, mas também está ajudando a mobilizar um conjunto diferente de prováveis eleitores —só na família de Hortensia Villegas, seis deles.

Villegas, nascida no México e imigrante legal, tem dois filhos e vive nos Estados Unidos há quase uma década, mas jamais havia visto motivo para se naturalizar.

No entanto, com o avanço de Trump rumo à conquista da indicação republicana, Villegas —como sua irmã, pais e os pais de seu marido— entrou na corrida de muitos imigrantes latinos para conseguir a cidadania americana em tempo para votar em novembro.

Theo Stroomer/The New York Times
Hortensia Villegas (centro) e sua família começaram processo de cidadania para poder votar na eleição
Hortensia Villegas (centro) e sua família começaram processo de cidadania para poder votar na eleição

"Quero votar para impedir que Donald Trump vença", disse Villegas, 32, uma das centenas de imigrantes legais, a maioria dos quais mexicanos, que lotavam o salão de um sindicato em Denver numa manhã de sábado recente.

Voluntários os ajudavam a preencher os formulários de solicitação de cidadania, um processo cuja aprovação federal este ano está levando cinco meses. "Ele não gosta de nós", ela disse.

No geral, as solicitações de naturalização cresceram em 15% no ano fiscal de 2015, ante o anterior, e saltaram em 14% nos seis meses encerrados em janeiro, de acordo com dados federais.

O ritmo está se acelerando semana após semana, dizem proponentes da naturalização, e eles estimam que as solicitações possam chegar à marca do milhão em 2016, cerca de 200 mil acima da média dos últimos anos.

Theo Stroomer/The New York Times
Candidatos à cidadania americana participam de reunião em centro comunitário de Denver, no Colorado
Candidatos à cidadania americana participam de reunião em centro comunitário de Denver, no Colorado

Embora os processos de naturalização costumem subir naturalmente em anos de eleição presidencial, Trump gerou estímulo adicional este ano. Ele iniciou sua campanha em junho descrevendo os mexicanos como traficantes de drogas e estupradores.

Sua promessa de construir uma muralha na fronteira e criar uma força de deportação para expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais que se estima existam nos Estados Unidos evocou lembranças das detenções em massa dos anos 50.

Entre os 8,8 milhões de imigrantes legais elegíveis para naturalização, cerca de 2,7 milhões são mexicanos, o maior grupo nacional, de acordo com dados federais. Mas depois de décadas em que a naturalização não era muito popular, apenas 36% dos mexicanos elegíveis se tornaram cidadãos norte-americanos, enquanto 68% dos demais imigrantes o fizeram, segundo dados do Pew Research Center.

Prévia da Eleição nos EUA

"Muita gente está abrindo os olhos por conta de todas as coisas negativas que Donald Trump trouxe", disse Miguel Garfio, 30, marido de Villegas, nascido e criado no Colorado e presente ao evento no sindicado para ajudar sua mulher e outros familiares a se naturalizarem.

Os pais dele vieram do México nos anos 80 e trabalharam com afinco a vida inteira, ele disse, ajudando-o a criar uma construtora que hoje emprega 18 pessoas, em Denver. Ao contrário do que Trump descreve, ele acrescentou, nenhum de seus parentes tem ficha criminal.

Este ano, os imigrantes que desejem se tornar cidadãos podem encontrar ajuda adicional de parte de organizações sem fins lucrativos e até da Casa Branca. Em setembro, o presidente Barack Obama lançou uma campanha nacional com o objetivo de galvanizar os imigrantes legais a buscarem naturalização.

Agora eles podem pagar os custos do processo, US$ 680 (R$ 2.543), com seus cartões de crédito, e simular online o exame cívico. E podem obter os formulários necessários nos "cantos da cidadania" instalados em bibliotecas públicas de muitos Estados.

Theo Stroomer/The New York Times
Reunião de candidatos à cidadania em Denver; medida do governo Obama facilitou trâmite
Reunião de candidatos à cidadania em Denver; medida do governo Obama facilitou trâmite

Além do Colorado, campanhas de naturalização estão acontecendo em Nevada e na Flórida, Estados que devem ser ferozmente disputados em novembro e nos quais os latinos podem representar margem crucial. Uma organização sem fins lucrativos, a New Americans Campaign, planeja preencher 1,5 mil solicitações de cidadania em uma só sessão, no estádio de beisebol Malins Park, em Miami, em 19 de março.

Trump se diz confiante em que os latinos o apoiarão, porque deu empregos a milhares deles ao longo dos anos. "Eu afirmo a vocês que me sairei muito bem com os hispânicos", ele declarou em um debate republicano em Houston em 26 de fevereiro.

Mas uma pesquisa entre eleitores latinos conduzida em 25 de fevereiro pelo jornal "Washington Post" e pela rede de TV em espanhol Univisión demonstrou que 80% deles têm opinião desfavorável sobre Trump, entre os quais 72% com opinião muito desfavorável, um índice de rejeição que supera em muito o de qualquer outro pré-candidato republicano.

Hope Hicks, porta-voz da campanha de Trump, disse que "ninguém se beneficiará mais das reformas de imigração pró-trabalhador de Trump do que os milhões de imigrantes que já tem os Estados Unidos como lar".

Ela disse que as propostas dele incluíam "limitar a capacidade de empresas para substitui-los por novos trabalhadores, com salários mais baixos, trazidos do exterior".

Pesquisas mostram que trabalhadores hispânicos preferem salários mais altos à importação de trabalhadores estrangeiros, disse Hicks, acrescentando que "esse é um princípio moral central que orientará a política de imigração em um governo Trump".

Muitos mexicanos se contentavam em viver nos Estados Unidos com os green cards que os tornam moradores autorizados.

Disputa pela Casa Branca

O custo da naturalização é alto, e os mexicanos muitas vezes subestimam seu inglês e temem reprovação no teste, disse Manuel Pastor, professor de sociologia na Universidade do Sul da Califórnia, que pesquisa sobre cidadania.

Muitos mexicanos têm parentes que vivem nos Estados Unidos ilegalmente e pensam duas vezes antes de se envolver com o governo, ele diz.

Mas muitos mexicanos correram a se naturalizar em 2007, quando a ameaça de uma alta nas taxas para naturalização antes da eleição presidencial de 2008 levou 1,3 milhão de pessoas a buscar naturalização. Este ano, não há aumento previsto.

O processo não tem prazo definido, para os imigrantes que esperam votar em novembro, mas dados os cinco meses que o governo demora a aprovar uma naturalização, os grupos de imigrantes estão pressionando para que os interessados entreguem a documentação necessária antes de 1º de maio, de modo que os novos cidadãos tenham tempo de se registrar como eleitores.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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