Folha de S. Paulo


Oposição está intoxicada pelo triunfo nas eleições, diz deputada chavista

Uma das figuras de peso da hoje minoritária bancada chavista na Assembleia Nacional da Venezuela, a deputada Ilenia Medina diz que a oposição está intoxicada com o triunfo obtido na eleição parlamentar de dezembro e extrapola poderes do Legislativo previstos na Constituição.

Especialista em relações internacionais e ex-diplomata, Medina disse à Folha que a aliança opositora MUD (Mesa da Unidade Democrática) mina qualquer chance de diálogo ao buscar abertamente a destituição do presidente Nicolás Maduro.

A deputada, líder do partido chavista Pátria Para Todos, afirmou que a oposição seria capaz até de atentar fisicamente contra Maduro e minimizou o fato de o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, ter recebido oficialmente deputados da MUD.

Governo da Venezuela
A deputada chavista Ilenia Medina, secretária do partido Pátria Para Todos
A deputada chavista Ilenia Medina, secretária do partido Pátria Para Todos

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Folha - Como a senhora enxerga a reconciliação nacional pregada pela oposição?
Ilenia Medina - Todo mundo percebe que não existe nenhum esforço real de reconciliação. Desde o primeiro dia de mandato, a oposição declarou guerra ao presidente e se colocou como o poder máximo e absoluto no país. Em nenhuma lugar do mundo um poder do Estado prevalece sobre os outros, nem sequer nas monarquias modernas.

Uma das propostas da revolução é permitir que se destituam funcionários que não estejam cumprindo com suas funções. Mas é uma decisão que cabe ao povo, não a [Henry] Ramos Allup [presidente da Assembleia Nacional], um sujeito que despreza e ignora os milhões de venezuelanos que elegeram Nicolás Maduro. Ramos Allup está em modo de guerra, não de reconciliação.

A lei de anistia, com a qual a oposição pretende libertar dezenas de políticos e manifestantes presos pelos protestos antigoverno de 2014, não poderia ser positiva para uma reconciliação?
É uma lei que pretende soltar pessoas que cometeram vários crimes tipificados no código penal venezuelano. Essas pessoas sempre desconheceram resultados eleitorais e fomentaram violência. A revolução nunca perseguiu ninguém que não tenha cometido crimes. Querem libertar policiais que participaram do massacre de abril de 2002 [tentativa frustrada de golpe contra o então presidente Hugo Chávez].

Como podemos aceitar anistia para quem agiu contra o povo venezuelano? A oposição incorporou em suas fileiras terroristas, narcotraficantes e golpistas. Isso é uma vergonha. O artigo 40 do projeto de lei de anistia exige que sejam destruídas provas dos crimes. Nem depois da ditadura de Franco [na Espanha, 1938-1975] houve algo parecido.

Crimes contra a humanidade não prescrevem. O Estatuto de Roma determina que, se um Estado não julga os responsáveis por crimes contra a humanidade, cabe a aplicação do princípio da justiça universal. Em seu discurso ao Parlamento, em janeiro, Maduro propôs a criação de uma Comissão para a Verdade e a Justiça com a intenção de que tudo, absolutamente tudo seja discutido e julgado.

Quem for considerado anistiado será reconhecido como anistiado. [O influente deputado opositor] Julio Borges disse que aceitava a proposta, mas depois calou-se.

Mas a sentença que condenou Leopoldo López e outros opositores presos não menciona crimes contra a humanidade.
Os tribunais de Nuremberg e Tóquio [após a Segunda Guerra Mundial] mostraram que, se um crime não for julgado no momento, não significa que não possa ser julgado depois. Durante um ano, Leopoldo López e outros opositores vinham incitando à violência. Não precisam ser autores materiais dos crimes para ser responsabilizados.

Quando ainda era prefeito [do município de Chacao, em Caracas, 2000-2008], López promoveu pessoalmente violência na rua, conforme registrado em fotos, e foi perdoado por Chávez. Hoje ele não tem a delicadeza de pedir desculpas pelo sofrimento que causou a tantas famílias que perderam entes queridos nos atos de violência que ele promoveu. É simples: houve violência nos municípios administrados pela oposição, enquanto que os municípios governados por chavistas permaneceram em paz.

A que a atribui o amplo sucesso da oposição na eleição parlamentar de dezembro?
O movimento "La salida" [que defende a destituição de Maduro] vinha promovendo há muito tempo uma campanha para disseminar angústia e mal-estar entre a população. A guerra econômica é uma realidade muito evidente. Era difícil esperar que isso não afetasse a eleição. Mas acho importante destacar a maneira democrática como Maduro reconheceu imediatamente o resultado. Chávez também aceitou o revés das urnas em 2007 [quando perdeu um referendo para reformar a Constituição a seu favor]. Quem perde precisa aceitar a derrota.

O problema do chavismo seria uma comunicação política deficiente?
Há interesses de alguns veículos de comunicação em não dizer a verdade. A mídia nacional sabe que estamos abertos para conversar, mas ela só vai atrás da opinião que lhe convém. A atual situação na Venezuela é provocada pela guerra econômica. Até o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu que o governo venezuelano, apesar da crise, consegue atender direitos sociais.

A crise, aliás, está afetando o mundo inteiro. Maduro faz o impossível para manter um governo que defenda os venezuelanos. O problema é que o nosso modelo é combatido. Somos um país acossado pelos centros hegemônicos. Mesmo assim, conseguimos construir 1 milhão de casas populares de qualidade.

Para além dos bate-bocas e acusações, existe algum diálogo de bastidores com a oposição?
Nós sempre estivemos dispostos a encontrar espaços de diálogo, mas que espécie de conversa se pode ter com quem fez da caça ao presidente um objetivo a atingir? Os opositores estão intoxicados com o triunfo eleitoral. Eles se esqueceram de que Maduro foi eleito com mais de 7 milhões de votos e Ramos Allup, com 44 mil.

Estamos prontos para apoiar projetos e agendas importantes, desde que ocorram dentro da Constituição, não fora dela. Não tem o mínimo cabimento a ideia de remover Maduro. Não tem sentido ficar repetindo que o país está à beira do colapso. O que aconteceria no Brasil se alguém do PMDB ou do PSDB saísse por aí queimando instalações da Petrobras? Isso é crime.

Mas a emenda constitucional e o revogatório cogitados pela oposição são mecanismos previstos na Constituição.
O único mecanismo da Constituição para encerrar qualquer mandato é o referendo revogatório que só pode ser convocado pelo povo e mais ninguém. Não existe essa história de emenda para reduzir o período presidencial nem de renúncia nem de abandono de cargo. Maduro trabalha 24 horas por dia, ele percorre o país sem parar, conversa com governadores, prefeitos e empresários e a oposição fala em abandono de cargo. Eles ficaram loucos?

Evaristo Sá - 25.fev.2016/AFP
Os deputados Luis Florido (dir.) e Williams Davila chegam ao Itamaraty para encontro com Mauro Vieira
Os deputados Luis Florido (dir.) e Williams Davila chegam ao Itamaraty para encontro com Mauro Vieira

De todo modo, eles já tentaram assassinar Chávez [que chegou a ser ameaçado durante a tentativa de 2002], eles podem tentar agora com Maduro. Eles podem até sequestrá-lo no exterior. Essa gente é criativa na hora da violência.

O chanceler Mauro Vieira recebeu na semana passada dois deputados da oposição. Foi o primeiro encontro oficial entre o Brasil e o antichavismo em 17 anos. A senhora teme que o Brasil esteja se distanciando do governo venezuelano?
Luis Florido foi recebido na sua condição de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional. Foi um encontro dentro da formalidade corriqueira de um Ministério das Relações Exteriores. Não acho que isso reflita uma mudança de posição do Brasil. Não há razão para isso. O Brasil nunca se imiscui em assuntos internos de outros países nem apoia violência. Dito isso, é preciso lembrar que a oposição venezuelana sempre se posicionou contra o Brasil. Duvido que o governo brasileiro atuaria contra si mesmo.


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