Folha de S. Paulo


EUA exigem que Apple ajude a desbloquear ao menos nove iPhones

AFP / Mark Ralston
rotesters demonstrate outside an Apple Store as they object to the US Government's attempt to put a backdoor to hack into the Apple iPhone, in Los Angeles, California on February 23, 2016. Apple is battling the US government over unlocking devices in at least 10 cases in addition to its high-profile dispute involving the iPhone of one of the San Bernardino attackers, court documents show. / AFP / Mark Ralston
Cliente de iPhone em Los Angeles apoia decisão da Apple: "Não faça dos nossos telefones drones do FBI"

O Departamento da Justiça dos Estados Unidos está exigindo que a Apple ajude no desbloqueio de pelo menos nove iPhones em todo o país, além do aparelho usado por um dos responsáveis pelos homicídios múltiplos em San Bernardino, Califórnia.

A revelação parece sustentar a preocupação da empresa de que a disputa se prove ameaça à proteção de dados cifrados em escala maior do que um simples caso na Califórnia.

A Apple está resistindo às exigências do governo em pelo menos sete dos demais nove casos, afirmou Mark Zwillinger, advogado da empresa, em carta revelada terça-feira por um tribunal federal.

"A Apple não concordou em executar serviços em nenhum dos aparelhos", escreveu Zwillinger. Desde dezembro, a carta afirma, a Apple em diversos casos objetou aos esforços do Departamento da Justiça para forçar sua cooperação por meio de um estatuto de 1789 conhecido como All Writs Act, que determina que os tribunais do país têm direito a ordenar ações em cumprimento de suas ordens.

No caso de San Bernardino, os promotores descreveram seus esforços para que a Apple os ajude a desbloquear o iPhone usado por Syed Rizwan Farook - um dos responsáveis pelo ataque que resultou na morte de 14 pessoas em dezembro - como um esforço limitado em resposta a uma situação incomum.

Ainda assim, "ninguém deveria se surpreender que estejamos investigando outros casos e buscando assistência em alguns deles", disse um funcionário da Justiça norte-americana na terça-feira.

Desde que contestou a liminar concedida por um juiz no caso de San Bernardino, que instruía a Apple a criar software que ajudasse os investigadores a decifrar com mais facilidade a senha do celular, a empresa vem afirmando repetidamente que uma solicitação como essa não poderia ser atendida de forma isolada.

"Se criada, uma técnica como essa poderia ser usada vezes sem conta, e em grande número de aparelhos", afirmou Tim Cook, o presidente-executivo da Apple, em carta aos clientes da empresa. E em nota postada em seu site na segunda-feira, a Apple afirmou que "agências policiais e de Justiça em todo o país têm centenas de iPhones que vão querer que a Apple desbloqueie caso o FBI vença o caso atual".

A Apple vem há muito sustentando que entregará dados para cumprir liminares judiciais quando for tecnicamente capaz de fazê-lo. Em relatório cobrindo os seis primeiros meses de 2015, a Apple anunciou ter recebido 11 mil solicitações de agências do governo envolvendo informações sobre cerca de 60 mil aparelhos, e que forneceu alguns dados em 7,1 mil desses casos.

9.set.2015/Reuters
O presidente-executivo da Apple, Tim Cook, apresenta iPad maior, com tela de 12 polegadas, durante evento em São Francisco, EUA
O presidente-executivo da Apple, Tim Cook

Mas embora os dados armazenados no serviço em nuvem iCloud sejam facilmente acessíveis pela companhia, ela vem tornando a segurança do iPhone em si cada vez mais difícil de penetrar.

Porque diversos dos casos revelados agora continuam sigilosos, a carta da Apple não descrevia os crimes em questão. Mas parecem envolver processos comuns por violações como tráfico de drogas e pornografia, e não uma investigação séria sobre terrorismo, disseram fontes.

Os casos revelados agora envolvem Nova York, Chicago, Los Angeles, San Francisco e Boston.

A existência das demais solicitações veio à luz em um caso de tráfico de drogas no tribunal federal dos Estados Unidos em Brooklyn, no qual os promotores querem acesso a dados armazenados em um iPhone associado a uma quadrilha que distribuía metanfetamina.

O proprietário do celular, Jun Feng, 45, se confessou culpado por conluio, no caso. Mas os promotores ainda assim levaram adiante seus esforços para forçar a Apple a desbloquear o aparelho, em parte porque sustentam que isso poderia conduzi-los a outros suspeitos de crimes relacionados a drogas.

Os dois lados estão esperando pela decisão do juiz James Orenstein sobre se a Apple deveria ser forçada a cooperar.

Antes de decidir, Orenstein quer que a Apple detalhe outras solicitações pendentes.

O caso de tráfico de drogas em Brooklyn ficou encoberto, por conta da atenção conquistada pelo caso da Califórnia. Mas advogados especializados em segurança nacional dizem que o caso de Brooklyn continua importante, porque a decisão de Orenstein deve ser a primeira a oferecer exame amplo da autoridade do governo para recorrer ao All Writs Act e forçar a Apple a desbloquear iPhones protegidos por senhas.

O juiz indicou ceticismo quanto às solicitações do governo. Inicialmente, a Apple concordou com uma liminar que a instruía a ajudar o Departamento da Justiça a desbloquear o iPhone de Feng, mas o juiz Orenstein hesitou, questionando se o All Writs Act pode ser usado dessa forma. Ele convidou os advogados da Apple a levantar objeções.

Embora sua decisão não estabeleça precedentes para o caso da Califórnia, pode influenciar o debate judicial lá. E um recurso de qualquer uma das partes tem o potencial de criar um precedente importante, em sua passagem pela justiça federal.

Funcionários da Justiça em todo o país estão acompanhando ansiosamente os casos de Brooklyn e da Califórnia, para ver como suas investigações podem ser afetadas.

Em entrevista coletiva na semana passada, depois que irrompeu o debate na Califórnia, William Bratton, comissário de polícia de Nova York, e Cyrus Vance Jr., procurador distrital federal em Manhattan, afirmaram ter recolhido em investigações 175 iPhones que não são capazes de desbloquear.

Vance rejeitou a ideia de que a Apple deva ser forçada a cooperar só quanto a certos crimes importantes.

"O que constatamos é que investigar um crime muitas vezes revela outras atividades criminosas, em alguns casos muito mais sérias do que aquelas que estávamos considerando inicialmente", ele disse.


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