Folha de S. Paulo


'Não existe perseguição contra o kirchnerismo', diz vice da Argentina

A vice-presidente da Argentina, Gabriela Michetti, 50, rebate as acusações de que o governo de Mauricio Macri esteja perseguindo aliados da ex-presidente Cristina Kirchner.

Michetti, que também preside o Senado, deu entrevista à Folha nesta terça (23) em Brasília, onde se encontrou com a presidente Dilma Rousseff e o vice, Michel Temer.

A número 2 da Argentina conta que na abertura do Congresso, no próximo dia 1º, Macri vai detalhar investigações sobre a gestão anterior.

Macri assumiu em dezembro e, desde então, faz pente-fino no governo de Cristina, que o acusa de retaliação.

Michetti diz que a Argentina sente os efeitos da crise brasileira e defende o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.

Alan Marques/Folhapress
A vice-presidente da Argentina, Gabriela Michetti, dá entrevista exclusiva para Folha sobre a relação de seu país com o Brasil, no hotel Brasília Alvorada. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) MUN DO *** EXCLUSIVO ***
A vice-presidente da Argentina, Gabriela Michetti, fala à Folha em Brasília

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Folha - O que esperar do discurso de Macri no dia 1º?
Gabriela Michetti - Vamos escutar algo mais claro sobre o diagnóstico do que temos encontrado. Fizemos investigações para ver o que havia em cada ministério, e nos surpreendemos negativamente. Sabíamos que a situação não era boa, mas encontramos cenários piores, e vamos dizer isso no dia 1º.

Os Kirchner acusam Macri de perseguição por meio de demissões de servidores.
Eles não têm como justificar nem sustentar essa denúncia. Durante 12 anos, lotearam a estrutura pública com aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Funcionários foram demitidos porque não cumpriam suas tarefas, e às custas do nosso dinheiro.

Até agora, constatamos algo em torno de 10 mil a 12 mil dentro desse universo de 1,5 milhão. Então, não se pode falar em perseguição. Se fosse assim, os números seriam pouco mais substanciais. Nenhuma pessoa foi despedida por questão ideológica ou de militância, mas pelo fato de não trabalhar.

Em poucos dias, a Justiça argentina decidiu processar nomes importantes do governo anterior, entre eles o ex-chefe da gabinete da Presidência, Aníbal Fernández, e dois ex-ministros. Não é estranho isso ocorrer agora? Não há um relação próxima do governo Macri com a Justiça?
Isso tem a ver com uma situação do governo anterior, não com a gente. Os juízes, antes, estavam muito temerosos em investigar funcionários envolvidos em suspeita de narcotráfico, corrupção, roubo. Tinham medo de investigar, porque isso gerava da parte do governo um castigo.

A diferença agora é que o presidente não está se intrometendo, ao contrário do governo anterior.

A senhora veio a Brasília encontrar-se com Dilma num momento de crise no Brasil. Como a possibilidade de impeachment dela afeta as relações com o governo Macri?
Todas as situações de crise em qualquer país amigo, neste caso um mais próximo como o Brasil, preocupam e geram tristeza. Mas respeitamos que cada país resolva esses temas e não vamos nos envolver com a política de Brasil, de Chile, de Bolívia. Vamos respeitar e ajudar, se pudermos.

Roberto Stuckert Filho/Presidência da República/AFP
 released by the Brazilian Presidency showing Argentina's Vice Presidente Gabriela Michetti (L) and Brazilian President Dilma Rousseff talking during a meeting at Planalto Palace in Brasilia, on February 23, 2016. AFP PHOTO/Presidency/Roberto Stuckert Filho RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT
Gabriela Michetti com Dilma Rousseff no Palácio do Planalto

Há preocupação sobre o efeito na indústria argentina?
Muita, claro. Tudo que acontece no Brasil gera um efeito direto na Argentina. É uma preocupação não só de empresários argentinos, mas da população, porque há uma consciência de que a Argentina também sofre com o que ocorre no Brasil. Se o Brasil não está bem, tampouco estaremos.

Qual a diferença da relação do seu governo com o Brasil em relação ao de Cristina?
Há diferença substancial na política externa. É uma maneira fracassada pensar que, com fronteiras fechadas, você pode resolver problemas. Ao vir ao Brasil em 4 de dezembro [seis dias antes da posse], o presidente Macri foi claro: para nós, o país é prioridade. Minha presença é para dizer isso: estamos aqui para ajudar. Os argentinos têm fama de ser muito soberbos e mais restritos.

Mas o posicionamento de Brasil e Argentina sobre a Venezuela é bem diferente...
Como expliquei, com respeito, ao presidente Nicolás Maduro: para a Argentina, o tema dos direitos humanos é de muita sensibilidade. Qualquer situação em que, para nós, não há cuidado com os direitos humanos, de expressão, de imprensa, sempre vamos dar uma palavra, porque é um tema muito caro a nós.

Não tem a ver com a política.

O governo Kirchner resistia ao livre comércio entre Mercosul e UE. É possível avançar?
Acreditamos muito na relação com a UE. É uma oportunidade. Com o Brasil e os outros do Mercosul teremos mais chance de nos relacionar com a UE que sozinhos.


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