Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Por que terei saudades de Obama

Com o avanço das prévias partidárias, fui tomado por uma estranha sensação: sinto falta de Barack Obama.

Discordo de decisões suas. Fiquei desapontado com aspectos de seu governo. Espero que a próxima presidência traga renovação filosófica.

Mas ao longo desta campanha parece haver uma queda generalizada de padrões morais. Muitas qualidades de caráter e liderança que Obama tem, e podem ter sido consideradas banais, sumiram.

A mais importante é a integridade. O governo Obama passou, de forma impressionante, sem escândalos. Lembre-se de como o Irã-Contras e Monica Lewinsky engoliram anos de mandato de Ronald Reagan e Bill Clinton. Não tivemos quase nada disso sob Obama. Ele e sua equipe se portaram com correção.

Hillary Clinton constantemente precisa dar entrevistas coletivas para explicar uma manobra estranha que fez, uma decisão que tomou.

Não Obama. Ele e a mulher, Michelle, não só mostraram integridade superior como atraíram e contrataram, na maioria das vezes, gente com altos padrões morais.

Há todo tipo de personalidade desagradável na política, incluindo na turma dos Clinton e no governo do [republicano] Chris Christie em Nova Jersey. Essa gente não tem vez na equipe de Obama.

Gabriel Bouys - 10.dez.2007/AFP
1.tif O senador Barack Obama, pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, sorri durante o show Generation Obama, no Gibson Theatre, na Califórnia, EUA. Democratic presidential candidate Senator Barack Obama smiles during the Generation Obama concert at the Gibson theatre in Universal City, California, 10 December 2007. AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS
Barack Obama em 2007, quando era pré-candidato à Presidência, no Gibson Theatre, Califórnia

A segunda é sua noção de humanidade.

Donald Trump passa muito tempo prometendo barrar imigrantes muçulmanos. Só diz isso quem vê os muçulmanos como uma grande abstração. Já Obama foi a uma mesquita, encarou as pessoas e fez um discurso reafirmando que elas são americanas. Ele emana preocupação e respeito pela dignidade alheia.

Imagine que Barack e Michelle Obama entrem para sua organização de caridade. Você ficaria feliz de ter gente assim na sua comunidade.

Dá para dizer o mesmo do [republicano] Ted Cruz? A humanidade de um presidente brilha em momentos inesperados, mas cruciais.

A terceira é a retidão de seu processo decisório. Conversei, ao longo dos anos, com vários integrantes do governo que se decepcionaram com o fato de Obama não acatar seus conselhos. Mas essas pessoas quase sempre acharam que foram ouvidas.

A abordagem de Obama é promover seus valores o tanto que for possível dentro dos limites da situação. [O pré-candidato democrata] Bernie Sanders, por sua vez, se encarapuçou de tal forma em seus valores que a realidade parece não atingi-lo.

Veja a questão do serviço de saúde.

Aprovar o Obamacare foi um esforço enorme que levou a duas derrotas gigantescas nas eleições legislativas. Como lembrou Megan McArdle em um artigo na Bloomberg, o Obamacare tirou a cobertura apenas de uma minoria de americanos.

Um Sanderscare tiraria a cobertura dada pelo empregador de dezenas de milhões de clientes insatisfeitos, destruiria o negócio das seguradoras e provocaria um enorme aumento de imposto. Isso é uma convulsão social.

Achar que dá para aprovar o Sanderscare em um Congresso polarizado em um país que desconfia do governo é viver em um conto de fadas intelectual.

Obama pode ter sido cauteloso demais, sobretudo no Oriente Médio, mas ao menos ele tem noção de realidade.

Quarta, Obama mantém a compostura sob pressão.

Acho um charme o nervosismo de Marco Rubio em dadas situações. Mostra que ele é normal. E tendo a achar que o excesso de confiança é uma das fraquezas de Obama. Mas um presidente tem que manter a pose. Obama fez isso, sobretudo na crise financeira. Rubio é uma incógnita.

A quinta é seu otimismo. Ouvir Sanders, Trump, Cruz ou o [republicano] Ben Carson é se regozijar com um pessimismo pornográfico, achar que o país está à beira do colapso. Temos problemas, mas menores do que os de quase qualquer outro país.

A oportunidade e a esperança motivam mais do que medo, cinismo, ódio e desespero. Diferentemente de candidatos atuais, Obama não apelou a esses sentimentos.

Obama não tem o temperamento perfeito. Vezes demais ele pareceu desdenhoso, desligado, recalcado ou ensimesmado. Mas há um ranço de torpeza se alastrando pelo mundo enquanto democracias recuam, o tribalismo avança e a desconfiança e o autoritarismo ressurgem.

Obama irradia integridade, humanidade, boas maneiras e elegância das quais começo a sentir falta, e, suspeito, todos sentiremos um pouco, independentemente de quem o substitua.


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