O nova-iorquino Juan Hernandez tem 61 anos. Há 30, tem uma dívida com o governo que ele calcula em cerca de US$ 12 mil (R$ 46,8 mil) pelo curso de audiovisual na City College, faculdade pública da cidade. Ele não concluiu a graduação.
Juan é eletricista das 9h às 17h. Depois do expediente, dedica-se à causa em que acredita, o comunismo.
Na sala que alugou nos fundos de uma loja de fantasias no centro de Manhattan, batizado de "quarto de guerra", ele faz campanha para o pré-candidato Bernie Sanders se tornar o 45° presidente dos Estados Unidos.
"Eles vivem me mandando cartas de cobrança", diz, com desdém ("eles" é o governo). "Se gastam milhões para bombardear países indefesos, não precisam do meu dinheiro." Por isso ele apoia a promessa de Sanders, que é socialista, de tornar as instituições públicas de ensino superior gratuitas.
"O que ele diz não é suficiente", acredita, "mas é o que temos de melhor".
O caso de Hernandez ajuda a explicar a ascensão de Sanders na disputa pela nomeação democrata com a ex-secretária de Estado Hillary Clinton.
Carlo Allegri - 12.nov.2015/Reuters | ||
Estudantes do Hunter College, em Nova York, fazem manifestação pedindo ensino gratuito |
O eletricista não vota no Partido Democrata, mas abriu uma exceção.
Como ele, quase 45 milhões de pessoas (14% da população do país, de 323 milhões de habitantes) estão em dívida para pagar a faculdade nos Estados Unidos.
O total devido mais do que dobrou na última década e foi a US$ 1,2 trilhão em 2015.
Entre os jovens, o problema é agudo. O valor da dívida média por aluno aumenta ano a ano, com juros altos e mensalidades caras.
Estudantes deixam a faculdade com uma pendência que se estende por vários anos, a níveis mais alarmantes entre a camada de renda mais baixa.
O presidente Barack Obama tentou diversos pacotes para combater o problema. Nos últimos meses, o governo anunciou o perdão da dívida de alunos de redes de ensino superior.
Uma investigação federal concluiu que faculdades vendiam promessas falsas de garantia de empregos após a graduação, argumento que pode ser usado pelos ex-alunos na hora de reivindicar refinanciamentos.
ANGÚSTIA
A promessa de acabar com a mensalidade das instituições públicas respondeu à angústia dos jovens americanos. Sanders desbancou Hillary entre essa parcela do eleitorado.
Em Iowa, Estado que inaugurou as prévias na segunda-feira (1º), o senador obteve 84% dos votos dos eleitores democratas com idade entre 17 e 29 anos. A ex-secretária de Estado teve 14%.
A plataforma de Hillary para atacar o problema da dívida estudantil é mais cautelosa. A pré-candidata promete tornar gratuitas apenas as instituições comunitárias e, assim como Sanders, sugere refinanciar a dívida a juros mais baixos.
Entre os republicanos, o empresário Donald Trump e o senador Ted Cruz não apresentaram proposta formal para combater o problema.
Sanders dá de ombros a críticas de que sua abordagem é inviável. "Esta é uma ideia radical: nos últimos 30 anos, trilhões de dólares foram redistribuídos [em detrimento] da classe média. Tornar faculdades e universidades gratuitas não é uma ideia radical", discursou, em janeiro.
"Meus críticos dizem, 'bem, Bernie, é uma ótima ideia tornar essas coisas gratuitas, mas como você vai pagar por isso?' Vamos impor imposto à especulação de Wall Street", argumentou, na última semana.
Erica Thuringer, 28, formou-se em direto há dois anos e se vê às voltas como uma dívida de US$ 200 mil (R$ 780 mil) da faculdade. "Não tenho perspectiva de sair da casa dos meus pais", reclamou. "Bernie entende os verdadeiros problemas dos americanos."
Hillary reconhece a dificuldade de enfrentar a preferência dos eleitores mais jovens pelo oponente.
"É incrível. Admito que tenho trabalho a fazer", afirmou em sabatina nesta semana. "Mas eles não precisam me apoiar. Eu os apoio."