Folha de S. Paulo


Macri entra em conflito com mães e avós da praça de Maio

Após 12 anos de casamento com o governo federal, os influentes movimentos argentinos das mães e das avós da praça de Maio estão em declarado conflito com a Presidência de Mauricio Macri.

Nesta quarta-feira (27), a presidente da associação das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, teve uma audiência com o chefe de gabinete da Presidência, Marcos Peña. Para ela, porém, o encontro não foi suficiente.

"Pedimos uma reunião com Macri e [ele] nos disse que não tinha tempo", afirmou à imprensa local.

A militante de direitos humanos disse que se sentiu discriminada, pois o presidente havia recebido sobreviventes do Holocausto na segunda-feira (25). "Parece que [Macri] está muito ocupado", acrescentou, irônica.

Durante o período em que Néstor e Cristina Kirchner estiveram no poder, entre 2003 e 2015, as organizações –que lutam por informações de filhos e netos desaparecidos durante a ditadura (1976-1983) e pelo julgamento dos crimes cometidos no período– receberam total apoio político e econômico.

Desde que Macri passou a comandar o país, no dia 10 de dezembro, a situação começou a mudar.

Carlotto estava acostumada a se reunir com mandatários do país e a posar ao lado deles em eventos públicos.

Durante a campanha eleitoral do ano passado, a ativista não só apoiou o candidato oficial de Cristina Kirchner na disputa, Daniel Scioli, como também afirmou que ele faria uma "transição muito construtiva para o retorno de Cristina".

Após Scioli ser derrotado, Carlotto disse que iria colaborar para que os quatro anos do governo novo fossem os melhores possíveis.

No encontro com Peña, a representante das avós entregou um documento com as demandas da associação. Entre elas estão a revisão da prisão de Milagro Sala, opositora do governo Macri, e a continuidade dos julgamentos dos torturadores da ditadura, cujos casos foram reabertos no período kirchnerista.

"Viemos com boa vontade, pois o diálogo é necessário entre os órgãos de direitos humanos e o Estado", afirmou.

INSULTO

A posição conciliadora que tentou adotar foi bastante diferente da demonstrada por Hebe de Bonafini, líder das Mães da Praça de Maio.

Quando Macri assumiu, Bonafini convocou seu grupo a resistir ao presidente.

No período Kirchner, sua associação recebera milhões de dólares para construir casas populares em bairros carentes –houve, porém, denúncias de desvio de verbas.

"Néstor deu mais coisas do que poderíamos pedir", afirmou Bonafini à Folha.

Agora, ela não chegou nem a pedir uma audiência com o novo mandatário. "Com o inimigo não se pode dialogar."

Nesta semana, Bonafini insultou o presidente publicamente. A líder das mães já havia feito isso pelo menos outras três vezes desde dezembro.

Em entrevista à rádio Del Plata, Bonafini afirmou na terça (26) que Macri não participou da cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) por ser "cagão" e "ter medo" de perguntas a que não poderia responder.

Macri não foi ao encontro, que ocorreu nesta quarta (27), no Equador, por recomendação médica. Ele fraturou uma vértebra há duas semanas.

DESAPARECIDOS

O mal-estar entre o governo e os movimentos da praça de Maio também teve outro capítulo nesta semana.

Na segunda (25), Darío Lopérfido, ministro de Cultura de Buenos Aires (equivalente a um secretário do governo da capital), disse que "não houve 30 mil desaparecidos [durante a ditadura]". Segundo ele, "esse número foi definido em reunião fechada".

Lopérfido assumiu a pasta em dezembro, após a vitória de Horacio Rodríguez Larreta como chefe de governo da capital. Larreta era o candidato de Macri para o cargo, ocupado antes justamente pelo agora presidente.


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