Folha de S. Paulo


Apesar de estado de guerra e pobreza, presidente diz ser feliz no Afeganistão

Afeganistão e notícias ruins, terríveis mesmo, são sinônimos. Mesmo assim, há quem diga, com orgulho indisfarçado: "Sou feliz no Afeganistão".

Seu nome é Mohammad Ashraf Ghani, 66, antropólogo por formação e, há um ano e meio, o presidente de seu país, que parece nunca emergir de um conflito atrás do outro.

Hedayatullha Amid - 31.dez.2015/Efe
O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, em entrevista coletiva em 31 de dezembro em Cabul
O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, em entrevista coletiva em 31 de dezembro em Cabul

Como ser feliz num país assim? Com a convicção de que pode fazer a diferença para as pessoas, conforme disse ontem em uma conversa com jornalistas membros do International Media Council, criado pelo Fórum de Davos.

Ou é demagogia ou é convicção porque para ser feliz no Afeganistão depois de ter vivido e lecionado durante 24 anos nos Estados Unidos, em grifes universitárias como a Johns Hopkins e a Universidade da Califórnia em Berkeley, é preciso muita convicção.

Ainda mais que Ghani não é um alineado, que passa alegremente por cima da situação de guerra interna que seu país conhece ou pelos inimigos que enfrenta, como nenhum outro país do mundo: Taleban (hoje mais forte no Paquistão do que no Afeganistão, diz o presidente), Al Qaeda ("ninguém pode dizer que a Al Qaeda está degradada") e o Estado Islâmico ("que não quer obter lealdade mas injetar medo").

Como se fosse pouco, Ghani cita o que chama de "guerra sem cobertura" [da mídia], a que estaria em curso no Paquistão.

É recorrente, aliás, entre as lideranças afegãs a afirmação de que os problemas do país vêm mais do vizinho do que propriamente do próprio Afeganistão.

Duas notícias desta quinta-feira (21) bastam para sublinhar as guerras afegãs: um Taleban suicida atacou uma produtora de TV de Cabul e matou sete pessoas; um braço do Estado Islâmico inaugurou uma estação de rádio em Nangarhar, no Leste, para fazer propaganda e ameaças.

Diante de tudo isso, surpreende como o presidente, em tom professoral, discorre mais sobre a construção de um Estado viável no Afeganistão do que sobre os conflitos.

Ou, melhor, junta uma coisa com a outra, ao dizer que, "se queremos ganhar a guerra contra o terrorismo, precisamos ganhar primeiro a guerra contra a corrupção".

Posto de outra forma: só um Estado eficaz será de fato capaz de enfrentar o terrorismo.

O primeiro passo para essa indispensável construção foi dado com a eleição de Ghani, em setembro de 2014: "Pela primeira vez na história do Afeganistão, a autoridade foi transferida pela vontade povo, manifestada em eleições".

Agora, cabe a ele completar a construção, o que diz que já está fazendo, trocando juízes em todas as províncias afegãs e mudando chefias militares.

Em um país com tantas urgências (a taxa de pobreza afeta 41% da população), haverá paciência para esperar essa construção, necessariamente demorada?

Responde o presidente: "Há oito meses, esperavam de mim a lua; agora, aceitam avanços graduais".

Se verdadeira, é uma expectativa razoável: antes, a luta do Afeganistão "era pela sobrevivência", diz Ghani. Agora, "a sobrevivência está assegurada".

Se não for otimismo em excesso, falta todo o resto, o que não impede o presidente de ser feliz.


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