Folha de S. Paulo


Com imprensa acuada, oposição na Bolívia migra para redes sociais

Com cerca de um terço do atual Congresso e poucos espaços na mídia, a oposição boliviana tem migrado para as redes sociais.

"Os líderes têm preferido a internet para veicular o discurso de defesa do 'não', uma vez que quase não há mais meios independentes que tenham coragem de enfrentar o governo", diz à Folha Raúl Peñaranda, um dos jornalistas mais respeitados da Bolívia, criador e ex-editor do jornal "Página Siete" e premiado com o Maria Moors Cabot de 2015.

Arquivo Pessoal
O jornalista boliviano Raúl Peñaranda, que recebeu o prêmio Maria Moors Cabot em 2015
O jornalista boliviano Raúl Peñaranda, que recebeu o prêmio Maria Moors Cabot em 2015

Diferentemente de países como Venezuela e Equador, onde a expropriação de meios por parte do governo foi aberta e jornalistas enfrentaram processos judiciais, na Bolívia a pressão que o governo exerce sobre os meios é mais sutil.

"A ação é mais discreta, usa outras vias, como fez o governo kirchnerista na Argentina. A principal delas é a compra de meios por empresários amigos, que logo se alinham ao discurso oficial", diz Peñaranda.

Em seu livro "Control Remoto", o jornalista conta como o principal jornal do país, o "La Razón", mudou de linha editorial após ser comprado pelo empresário venezuelano Carlos Gill, próximo do presidente Nicolás Maduro. O mesmo teria acontecido com os canais ATB, PAT, Full TV, Abya Yala, também comprados por empresários alinhados.

Peñaranda também acusa o governo de transferir verba oficial de propaganda apenas a meios favoráveis a Morales. O orçamento oficial para as comunicações passou, em dez anos, de US$ 10 milhões para US$ 100 milhões, de acordo com levantamento do jornalista.

Peñaranda deixou a direção do "Pagina Siete" em 2013, após o jornal ser processado pelo Estado, junto com outros meios, por "incitação ao racismo". A acusação dizia que o jornal havia distorcido declarações de Morales, provocando tensão entre ele e dirigentes regionais do interior do país.

Agora, Peñaranda acaba de lançar "From Military Dictatorships to Evo Morales Populism - Three Decades of Intense History", em que resume a história recente do país e tenta explicar o contexto do qual surgiu o líder cocaleiro.

Em resposta às acusações que o jornalista vêm fazendo a Morales nos últimos tempos, a ministra de Comunicações, Amanda Dávila, afirmou que o jornalista defende interesses estrangeiros, pelo fato de ter nascido no Chile, país com quem a Bolívia mantém uma disputa territorial. O jornalista, de fato, nasceu no país vizinho, mas vive na Bolívia desde os onze meses de vida.


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