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Análise

Discurso otimista de Obama difere de visão republicana sobre os EUA

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No espaço de 48 horas, os norte-americanos estarão diante de duas visões marcadamente distintas sobre os Estados Unidos sob a gestão de Barack Obama, e elas definirão o debate sobre o futuro do país, neste ano de eleição presidencial e mais além.

O país descrito pelo presidente na noite de terça-feira (12), em seu último discurso sobre o Estado da União, é a nação mais poderosa do planeta e está de novo em ascensão, com mais empregos, um sistema de saúde melhor e inovações deslumbrantes. Ainda que restem desafios sérios a enfrentar, é um país à beira de um progresso ainda maior.

Evan Vucci/AFP
O presidente Barack Obama faz seu último discurso do Estado da União, na noite de terça (12); atrás dele, o vice Joe Biden e o presidente da Câmara dos EUA, Paul Ryan
Obama faz discurso do Estado da União; atrás, o vice Joe Biden e o presidente da Câmara, Paul Ryan

Em contraste, o país que os pré-candidatos presidenciais republicanos descreverão em seu debate na noite de quinta-feira (14) é mais sombrio, uma grande potência decaída que perdeu terreno em um mundo perigoso, abriu mão de sua autoridade e liderança junto a aliados e inimigos igualmente, e reduziu a liberdade e as oportunidades, em casa.

A visão que o público considerar como mais crível ajudará a determinar quem sucederá Obama em janeiro do ano que vem, e determinará os rumos do país pelos quatro anos seguintes. Por meses, os republicanos, liderados por Donald Trump, vêm explorando o profundo descontentamento do eleitorado, e Obama decidiu usar a mais proeminente plataforma oferecida pela política dos Estados Unidos para contra-atacar.

"Esta noite, o presidente Obama descreveu a nova aurora dos Estados Unidos, em resposta ao discurso negativo que os candidatos republicanos vêm empregando ao longo dos últimos 12 meses", disse Jon Favreau, antigo redator-chefe dos discursos de Obama. "De Reagan a Clinton a Obama, as pessoas jamais elegeram um presidente pessimista, que fala dos Estados Unidos como se o país fosse um filme de Mad Max".

Mas os republicanos afirmaram que Obama teria dificuldade para convencer o público com um quadro róseo que conflita com as percepções e experiências da audiência. A detenção pelo Irã de 10 marinheiros de barcos de patrulha da marinha norte-americana, no Golfo Pérsico, horas antes do discurso, ofereceu munição oportuna para os argumentos republicanos de que a diplomacia do presidente para com Teerã é um equívoco, e que serviu para solapar o poder dos Estados Unidos.

"Os norte-americanos acordam a cada dia diante de ainda mais más notícias, e de um mundo em constante crise", disse Mark Dubowitz, diretor-executivo da Fundação para a Defesa das Democracias, um instituto de pesquisa cujo foco é a segurança nacional. "A liderança norte-americana está em declínio e o mundo vive um completo colapso, com mulás iranianos, ditadores russos e radicais islâmicos em ascensão. Não há discurso sobre o Estado da União, por mais eloquente, que consiga explicar essa dura realidade."

Alguns indicadores apontam que Obama tem argumentos convincentes. O desemprego caiu a 5%, menos de metade de seu pico durante a crise econômica que ele herdou, e quase 14 milhões de novos empregos foram criados desde que a recuperação começou. A reforma da saúde empreendida por Obama elevou em 17 milhões o número de norte-americanos dotados de cobertura. A renda média domiciliar enfim atingiu os US$ 56.746 (R$ 227 mil) em novembro, o ponto em que ela estava quando a recessão começou, de acordo com uma empresa de pesquisa. Depois de chegar perto da extinção, a indústria automobilística está em alta. Os crimes violentos estão em queda; e o mesmo vale para os preços da gasolina.

"Aos republicanos que não darão ao presidente crédito algum por qualquer sucesso em 2016, eu sugeriria que lessem as estatísticas sobre nossa situação quando de seu primeiro discurso sobre o Estado da União, em 2009", disse o deputado Steve Israel, democrata de Nova York. "Mas eles não podem agir assim, e isso é parte de seu cálculo político. Estão petrificados pelo medo de uma primária na direita."

Mas dois terços dos norte-americanos ainda acreditam que o país esteja no caminho errado, em parte porque os ganhos dos últimos anos não foram distribuídos equitativamente. A disparidade de renda se agravou. O índice de pobreza é de 14,8% da população, e está acima do nível que tinha quando Obama assumiu. A economia voltou a crescer, mas não com a mesma rapidez registrada nas presidências de Ronald Reagan e Bill Clinton. E ainda que o déficit tenha sido bastante reduzido ante o pico atingido durante a recessão, a dívida nacional disparou de US$ 11 trilhões (R$ 44 trilhões) para US$ 18 trilhões (R$ 72 trilhões).

DISCURSOS DO ESTADO DA UNIÃO DE OBAMA - O que o presidente dos EUA prometeu nas seis vezes que falou no Congresso

A política externa pode ser um desafio ainda maior para a argumentação do presidente; os sucessos conquistados nesse campo foram apequenados pelos tumultos, de Paris à Ucrânia, da Líbia à Síria.

Uma das coisas mais difíceis para um presidente é apaziguar o medo, e como os dias seguintes ao ataque de San Bernardino, na Califórnia, demonstraram, o estilo de Obama tende ao intelectual e ocasionalmente ao didático, mesmo quando ele está tentando reconfortar os cidadãos.

Obama assumiu em um momento incrivelmente difícil e desde então vem batalhando para despertar, no exercício do cargo, a mesma inspiração que despertou em campanha. Agora, no início de seu período final de governo, ele conta com o palanque que só a presidência oferece, e deixou claro na noite de terça-feira que pretende usá-lo.

Restam-lhe 373 dias para definir o que o povo pensará sobre os Estados Unidos de Barack Obama.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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