Folha de S. Paulo


Entenda o conflito entre governo e oposição após as eleições na Venezuela

No dia 6 de dezembro, os venezuelanos foram às urnas para escolher os novos deputados do Parlamento.

Após quase 17 anos no governo do país, o chavismo, representado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sofreu fragorosa derrota.

A aliança opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) conquistou 112 das 167 cadeiras do Parlamento. Com isso, teria dois terços dos assentos, o que lhe permitiria, entre outras coisas, destituir altos funcionários chavistas e reformar a Constituição.

Mas, alegando irregularidades, o governo pediu à Justiça que impedisse a posse de três deputados da MUD, o que retirou da oposição a chamada "supermaioria".

Veja abaixo algumas explicações sobre o que está acontecendo na Venezuela.

Marco Bello - 6.jan.2016/Reuters
enry Ramos Allup, president of the National Assembly and deputy of the Venezuelan coalition of opposition parties (MUD), attends a session in Caracas January 6, 2016. Venezuela's opposition defied a court ruling and swore into the new congress on Wednesday three lawmakers barred from taking their seats, deepening the showdown between the legislature and President Nicolas Maduro's government. REUTERS/Marco Bello ORG XMIT: VEN03
O novo presidente do Parlamento da Venezuela, Henry Ramos Allup

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Por que a oposição venezuelana está eufórica?
Porque ela obteve vitória arrasadora na eleição parlamentar de 6 de dezembro. É a primeira vez desde 1999 que o chavismo deixa de ter controle hegemônico do poder

Quantas cadeiras a oposição conseguiu?
Resultados oficiais lhe deram 112 das 167 cadeiras do Parlamento unicameral. O chavismo ficou com 55. Mas a Justiça invalidou quatro deputados. Três são da oposição.

Por que a Justiça invalidou esses deputados?
A suprema corte acatou denúncia dos chavistas de que a oposição comprou votos no Estado de Amazonas.

Como fica a situação dos deputados impugnados?
A suprema corte não disse se cogita refazer eleição no Amazonas. Há quem diga que as cadeiras do Amazonas poderão ficar vazias.

Como a oposição reagiu à impugnação?
Ignorando-a. Um dia após assumir o Parlamento, a oposição juramentou seus três deputados suspensos. O chavismo entrou com recurso na corte suprema para anular a medida.

Por que a oposição precisa tanto desses três deputados?
Sem eles, a bancada antichavista fica com 109 cadeiras, duas a menos que o necessário para obter a maioria qualificada de dois terços, que dá poderes máximos ao Parlamento, e oposição deixou claro que quer acabar com a Presidência de Nicolás Maduro.

Ronaldo Schemidt - 6.jan.2016/AFP
National Assembly employees remove from the building pictures of late President Hugo Chavez, in Caracas on January 6, 2016. Venezuela's opposition on Tuesday broke the government's 17-year grip on the legislature and vowed to force out President Nicolas Maduro despite failing for the time being to clinch its hoped-for
Funcionários retiram imagem do presidente Hugo Chávez da sede do Parlamento

O Parlamento pode destituir o presidente?
A maioria de dois terços permite emendar ou reformar a Constituição para antecipar a eleição presidencial de 2019. Mas o processo depende da aprovação do órgão eleitoral e deve ser submetido a referendo. A supermaioria também pode convocar uma Constituinte para refundar o Estado –o presidente também tem essa prerrogativa.

Já houve Constituinte na história recente da Venezuela?
Sim. Em 1999, Hugo Chávez convocou uma Constituinte logo após assumir a Presidência. A Constituição surgida então vigora até hoje.

A legislação da Venezuela prevê impeachment?
Não.

O que mais está ao alcance da oposição para destituir Maduro?
Um referendo revogatório pode ser convocado quando acaba a primeira metade do mandato presidencial –fevereiro, no caso atual. Se Maduro for destituído até o início de 2017, novas eleições acontecem. Se for depois disso, quem assume até o fim do mandato é o vice-presidente.

O que é necessário para organizar o referendo revogatório?
É preciso que 20% dos eleitores registrados (equivalente a 4 de milhões de venezuelanos) assinem em favor da proposta. No dia da votação, é preciso que a participação seja de ao menos 25% para validar o referendo. Maduro será automaticamente destituído se o referendo for aprovado por número igual ou maior à votação obtida quando foi eleito, em 2013.

Quanto tempo levaria um revogatório?
O mais difícil é definir os critérios para recolher as assinaturas dos 20% dos eleitores registrados, que deverão ainda ser validadas pelo órgão eleitoral. O processo pode levar mais de um ano.

Já houve algum referendo revogatório na história recente da Venezuela?
Sim. Em 2004, a pressão da oposição conseguiu promover um revogatório. Os venezuelanos escolheram manter Hugo Chávez no poder, num dos mais duros golpes sofridos por antichavistas. Servidores que votaram pela saída de Chávez foram perseguidos.

Além de tentar cassar o presidente, o que o Parlamento pode fazer para enfraquecer o governo?
Maioria simples basta para investigar casos de corrupção e aprovar uma lei de anistia em favor dos opositores presos. Com maioria de três quintos, a oposição consegue barrar pedidos presidenciais para a Lei Habilitante e votar moções de censura capazes de destituir ministros e vice-presidentes. Com dois terços, pode destituir juízes da suprema corte se ficar provada falta grave.

O presidente e a Justiça podem vetar essas manobras?
A lei prevê mecanismos para contornar vetos presidenciais, mas a suprema corte, dominada pelo chavismo, conserva capacidade para declarar inconstitucionais quase todas as manobras opositoras.

O que o governo diz dessas manobras?
Que a oposição está abusando das prerrogativas do Parlamento para acabar com os ganhos sociais do chavismo e está priorizando interesses das elites e dos empresários.

Por que analistas estão preocupados?
Porque essa disputa institucional emperra reformas urgentes para reverter o colapso da economia.


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