Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Apesar das tensões, guerra entre Irã e Arábia Saudita é impensável

Apesar do rompimento de relações diplomáticas e da retórica inflamada, uma guerra convencional entre o majoritariamente xiita Irã e a sunita Arábia Saudita é improvável, até impensável.

Já um maior apoio a grupos rebeldes nos dois países é uma previsão razoável, assim como a ajuda a sunitas e xiitas que lutam em locais como Síria e Iêmen.

Os dois países não dividem fronteiras terrestres, o que seria uma fonte possível de escaramuças, ou mesmo de uma invasão, se fosse o caso.

Mas a crise atual não justifica tanto. Não foi o mesmo caso da longa luta entre Irã e Iraque na década de 1980, provocada pelos iraquianos e tendo como objetivo conquistar território iraniano.

Claro, se a crise piorar muito, sempre é possível "atravessar" o Iraque ou o Kuait para atacar o rival. Mas com o Kuait repleto de tropas americanas, isso seria loucura.

O confronto militar mais provável agora seria um combate aeronaval no golfo que sauditas chamam de Arábico, e iranianos, de Pérsico.

Mesmo escaramuças aéreas ou navais ou ambas teriam efeito extremamente nocivo para os dois países produtores de petróleo. A paralisação da navegação na região afetaria muito as duas economias. Derrubar alguns aviões ou afundar alguns navios não seria resultado razoável pelos danos trazidos.

Claro, nada em guerra é razoável. A tendência básica de conflitos armados é escapar do controle dos envolvidos. Políticos e militares radicais dos dois lados poderiam apostar na escalada, bombardeando o território do inimigo, sobretudo zonas vitais produtoras de petróleo, oleodutos e terminais marítimos.

O Irã é um dos perfeitos exemplos de como a imposição de sanções sobre compra de armamento não costuma funcionar.

Assim como ocorreu com países que sofrem embargos em algum momento, como Israel, África do Sul e Chile, o principal resultado é acelerar a criação de uma indústria bélica local.

A guerra Irã-Iraque fez os iraquianos improvisarem e, a partir daí, começarem a produzir suas próprias armas.

O xá do Irã, deposto pela revolta teocrática de 1979, tinha comprado enormes quantidades de armas americanas.

Foi com elas, apesar da falta de suprimentos, apoio técnico e peças de reposição, que os iranianos tiveram que lutar. Já o Iraque tinha acesso ao mercado internacional e aproveitou para comprar armas da então URSS, na França e no Brasil.

Ainda hoje a força aérea do Irã usa aeronaves americanas; é a única no mundo que usa o caça F-14 Tomcat, por exemplo, além de ainda usar o F-4 Phantom e do F-5 Tiger.

A Marinha do Irã é pequena; mas o maior trunfo do país em um conflito regional é seu arsenal de mísseis balísticos. Embora ainda tenham alcance limitado, são capazes de atingir boa parte do Oriente Médio. Destruir um míssil balístico em voo é tarefa quase impossível.

Já a Arábia Saudita é um dos maiores compradores de armas do mundo. O dinheiro do petróleo abastece os militares sauditas com as melhores armas do mercado, como o caça europeu Typhoon e o americano F-15, ou o tanque americano M-1 Abrams.


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