Folha de S. Paulo


Esforço na acolhida a refugiados na Europa marca o ano de Angela Merkel

O discurso de Ano-Novo de Angela Merkel, nesta quinta-feira (31), terá uma novidade que simboliza um de seus marcos políticos neste ano.

A TV estatal oferecerá uma versão com legendas em árabe pouco após a exibição nacional, para que o balanço da chanceler alemã alcance o maior número possível entre os milhares que chegaram ao país fugidos de guerras na Síria, Afeganistão e Iraque.

Os refugiados foram um dos grandes temas da Europa em 2015, e Merkel, 61, se tornou a face do esforço em acolhê-los.

Talvez em sua decisão mais ousada desde que chegou ao poder, em novembro de 2005, ela usou argumentos humanitários para abrir as fronteiras.
Com isso, a estimativa é que a Alemanha chegue a 1 milhão de pedidos de asilo este ano.

A liderança de Merkel nessa crise e em outros assuntos espinhosos no continente, como a guerra na Ucrânia e o euro sob ameaça por causa da Grécia, globalizou seu já reconhecido poder.

Ela foi eleita a personalidade do ano pela "Time" e pelo "Financial Times" –a revista americana, que não concedia esse título a uma mulher desde 1986, a chamou de "chanceler do mundo livre". Merkel chegou a ser cogitada para o Prêmio Nobel da Paz.

O jornalista alemão Ralph Bollmann, autor de "Die Deutsche: Angela Merkel und Wir" ("Os Alemães: Angela Merkel e Nós", sem edição brasileira), diz que 2015 é, "até agora", o ano mais importante do governo de Merkel –o mais longevo desde Helmut Kohl (1982-1998).

Bollmann faz essa ressalva porque vê dificuldades pela frente, que poderão vir das próprias medidas tomadas por ela. "Merkel intermediou pessoalmente um acordo entre Rússia e Ucrânia, o que poderia ter sido um fracasso; manteve a Grécia na zona do euro, mesmo com seu ministro das Finanças sendo abertamente contra; e, principalmente, permitiu a entrada do fluxo de refugiados diante de muitas vozes contrárias em seu próprio partido", afirma.

ENCRUZILHADA

Justamente a pressão de aliados da conservadora União Democrata-Cristã (CDU), o partido de Merkel, fez com que ela ensaiasse um recuo na questão dos refugiados.

Em congresso da legenda, há duas semanas, disse que a Alemanha vai "reduzir significativamente" a entrada de fugitivos de conflitos no Oriente Médio, mas se recusou a fechar as fronteiras.

Até o momento, porém, a chanceler não apresentou medidas concretas para conter o ingresso de migrantes.

Os alemães estão divididos sobre o assunto. Segundo uma pesquisa divulgada neste mês, 49% veem como ruim a política de Merkel para os refugiados, e 47% têm avaliação positiva; 51% consideram que o país pode assimilar o fluxo esperado, ante 46% com opinião contrária.

O cientista político Gero Neugebauer, da Universidade Livre de Berlim, afirma que Merkel "deseja figurar entre os chanceleres que marcaram a Alemanha".

Aos olhos externos, sua aura de "chanceler da Europa" provavelmente já lhe dará este lugar na história, mas Neugebauer vê como condição interna o sucesso da política de refugiados.

"Se der certo, ela poderá dizer que contribuiu para a unidade da Europa, pois esse é um problema europeu. Senão, seu apelo se reduzirá para 2017", diz, referindo-se ao ano das próximas eleições gerais previstas.

Caso Merkel vença, poderá chegar a 16 anos no poder, justamente o mesmo tempo no cargo de Helmut Kohl, seu antigo padrinho político.


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