Folha de S. Paulo


Ex-aliado, Trump passa a atacar Bill Clinton

Durante anos, o presidente Bill Clinton foi o melhor amigo que Donald J. Trump sempre quis ter.

Quando a Casa Branca de Clinton foi envolta em escândalos, Trump saiu em defesa do presidente. "Ele deve ser a pessoa mais resistente a críticas que já conheci na vida, e eu o acho um cara fantástico", disse Trump à CNN.

Houve os convites de Trump para que o ex-presidente fosse morar no dourado edifício Trump em Manhattan, quando ele e Hillary Clinton deixaram a Casa Branca. Em vez disso, eles se mudaram para Westchester.

Seus convites aos Clinton para passarem férias em sua residência de Mar-a-Lago, em Palm Beach, Flórida, também foram recusados. Os Clinton preferiram ir à República Dominicana.

Quando Clinton teve dificuldade em tornar-se sócio de um clube conservador de golfe em Westchester, Trump se gabou de ter recebido o ex-presidente no recém-construído Trump National Golf Club, a cinco minutos de carro da casa dos Clinton em Chappaqua, Nova York.

"Ele é um grande cavalheiro, um bom jogador de golfe e um sujeito fantástico", disse o magnata imobiliário a respeito de Clinton, que, na realidade, é um jogador de golfe apenas mediano.

Na última semana, qualquer resquício de amizade entre Trump e Bill Clinton acabou mal quando o ex-presidente e a campanha presidencial de sua mulher se envolveram em uma batalha sobre sexismo com o candidato republicano, que está colocando este ciclo eleitoral de ponta-cabeça com seus insultos e ataques.

Trump escreveu no Twitter na segunda-feira: "Se Hillary acha que pode jogar seu marido, com seu histórico péssimo de desrespeitar mulheres, contra mim, ao mesmo tempo em que ela joga a carta das mulheres, está muito enganada".

A crítica à vida pessoal de Bill Clinton chegou em um momento em que Hillary Clinton vem recorrendo cada vez mais ao ex-presidente, mencionando-o em quase todos seus discursos, com elogios a seu histórico de atuação na economia.

Mas os ataques de Trump a Bill Clinton agora ecoam na corrida eleitoral, com outros candidatos e até mesmo um destacado colunista de jornal sugerindo que a história sexual de Bill Clinton é um assunto que pode ser tratado sem problemas.

"Isso beneficia Trump, porque reforça o que seus partidários mais ardentes acreditam ser seu maior trunfo", disse Kevin Madden, um estrategista de comunicações republicano. "Trump se dispõe a falar coisas que ninguém mais diz, mas que precisam ser ditas."

Na segunda-feira (4) Bill Clinton vai comandar dois eventos de organização para Hillary Clinton em New Hampshire. Será sua primeira participação solo na campanha em um Estado onde sua popularidade ainda é muito grande e onde as pesquisas de opinião mostram Hillary perdendo um pouco para o senador Bernie Sanders, de Vermont.

VIRADA

A virada de Trump contra o ex-presidente começou na semana passada, quando, em resposta ao uso por Trump de uma alusão sexual grosseira para descrever sua derrota por Barack Obama em 2008, Hillary Clinton acusou o magnata de ter "tendência ao sexismo".

No sábado, Trump disse no Twitter: "Hillary Clinton anunciou que está enviando seu marido para fazer campanha por ela, mas ELE JÁ DEMONSTROU UMA TENDÊNCIA AO SEXISMO, tão inapropriado!"

Na terça-feira ele foi além, dizendo que na carreira política de Bill Clinton "houve muito desrespeito às mulheres, quer seja Monica Lewinsky, quer seja Paula Jones ou muitas delas".

Em resposta à tirada mais recente de Trump, a campanha de Hillary disse, em comunicado, que "Hillary Clinton não se deixará dominar ou distrair pelas farpas que Trump atira contra ela e o ex-presidente Clinton". Um porta-voz de Bill Clinton se negou a dar declarações.

A tática de Trump pode acabar tendo efeito inverso ao desejado. Hillary alcançou alguns dos maiores índices de aprovação de sua carreira pública depois da revelação de que Bill tinha tido um relacionamento com Lewinsky, então estagiária na Casa Branca, com 22 anos de idade.

Neste mês, numa reunião com eleitores em New Hampshire, uma jovem perguntou a Hillary Clinton sobre várias mulheres que alegaram ter sido sexualmente assediadas por Bill Clinton.

"Você diz que é preciso acreditar nas palavras de todas as vítimas de estupro", disse a mulher. "Devemos acreditar nessas mulheres também?"

Hillary não hesitou. "Eu diria que devemos acreditar em todo mundo num primeiro momento, a não ser que suas palavras sejam desmentidas com provas", ela disse com um sorriso incomodado, enquanto os presentes aplaudiam.

Mesmo assim, a questão parece estar tendo eco, pelo menos entre os detratores dela. Outros candidatos republicanos, incluindo Carly Fiorina e Ben Carson, seguiram o exemplo de Trump, dizendo que a história de Bill Clinton é uma crítica legítima, embora Fiorina tenha dito que duvida que os eleitores se importem com isso. Afinal, Bill Clinton tem 69 anos hoje, e o escândalo com Lewinsky aconteceu há quase duas décadas.

'PRECEDENTE PERIGOSO'

A colunista Ruth Marcus, do "Washington Post", tem feito críticas a Trump, mas na terça-feira escreveu que concorda com ele que o passado de Bill Clinton tem relevância para a campanha de sua mulher, já que ela está ao mesmo tempo fazendo uso de seu marido e tachando Trump de sexista.

"Essas iniciativas abrem um precedente perigoso", escreveu. "Ninguém deve se surpreender pelo fato de Trump ter aproveitado essa brecha."

Trump tem sido o mais direto em seus ataques a Bill Clinton, mas os republicanos, preocupados com o fato de seu partido atrair cada vez menos votos femininos, já pensavam havia muito tempo em usar a vida pessoal do ex-presidente e a resposta de Hillary às mulheres que alegaram ter tido casos extraconjugais.

O assessor republicano Stuart Stevens, estrategista-chefe de Mitt Romney em sua campanha de 2012, disse que o modo como a campanha de Clinton fez pouco caso das mulheres que se queixaram do comportamento do presidente nos anos 90 "praticamente desqualificaria sua candidatura em uma primária democrata" hoje.

Durante a campanha de 1992 de Bill Clinton, Betsey Wright, uma assessora muito próxima do presidente, cunhou o termo "bimbo eruptions" para descrever as mulheres que alegavam ter tido casos extraconjugais com o presidente.

Segundo documentos da Casa Branca da época escritos por Diane D. Blair, grande amiga de Hillary Clinton que morreu em 2000, a primeira-dama descreveu Lewinsky como "narcisista desmiolada".

Até a semana passada, Donald Trump não tinha dito praticamente nada de negativo sobre Bill Clinton. Na época, ele disse que o presidente foi tratado injustamente por seu relacionamento com Lewinsky.

Trump fez doações para a Fundação Bill, Hillary & Chelsea Clinton e para a campanha de Hillary Clinton para o Senado. Enquanto Hillary era senadora de Nova York, ela e seu marido foram ao casamento de Trump com sua terceira mulher, a modelo eslovena Melania Knauss, em 2005.

A festa aconteceu em um salão de bailes de US$ 42 milhões na mansão de Trump em Mar-e-Lago, decorada para lembrar Versalhes. Os Trump não foram convidados para o casamento de Chelsea Clinton, em 2010.

"Trump gostava deles e do fato de serem estrelas e respeitava muitas das coisas que Bill Clinton realizou como presidente", disse Edward G. Rendell, ex-governador da Pensilvânia que é amigo dos Clinton. "Agora isso tudo acabou."

Em um e-mail, Trump disse que sua amizade com Bill Clinton se deveu exclusivamente a razões de negócios. "Era obrigação minha me dar bem com todos os políticos", ele escreveu. "E eu fazia isso melhor que ninguém."

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: