Folha de S. Paulo


Ataques em Paris estimulam jovens a se alistar no Exército

Depois de ser aprendiz de padeiro e de bater ponto numa loja de sapatos, o francês Bakary Diarra, 18, deixou a casa em que vivia com a mãe, na Bretanha (oeste da França), para se instalar com o pai na periferia sul de Paris. Queria um emprego mais sólido, uma carreira.

No último dia 13, ele assistia pela TV ao amistoso entre França e Alemanha quando um estrondo vazou no áudio da transmissão —era o primeiro homem-bomba do Stade de France detonando seu colete de explosivos.

Dias depois, um amigo avisou: "Vou me alistar. Talvez a gente não se veja mais". Era a deixa para que Diarra seguisse a mesma trilha.

O jovem é um dos milhares que se engajaram no Exército após os ataques do mês passado, que deixaram 130 mortos em Paris e Saint-Denis.

Entre alistamentos pelo site do Exército e visitas espontâneas aos mais de cem centros de recrutamento espalhados pela França e por seus territórios ultramarinos, os contatos diários de candidatos a soldado chegaram a 1.700 na semana que sucedeu aos ataques —nos últimos dias, oscilam em torno de 800, muito acima da média.

"Nenhuma campanha [publicitária visando à inscrição] jamais atingiu isso", diz o tenente-coronel Emmanuel Dosseur, diretor-adjunto do setor de marketing e comunicação de recrutamento. "Recebíamos 200 cadastros por dia antes dos atentados de janeiro. Logo após o ataque ao 'Charlie Hebdo', houve um pico de 1.000, mas nada como o que vemos agora."

O serviço militar na França é voluntário desde 1997 e aceita candidaturas de cidadãos com idades entre 17,5 anos e 30 anos. Em 2014, 120 mil jovens se alistaram, e cerca de 10 mil ingressaram nas fileiras do Exército francês. Neste ano, os pleitos devem chegar a 170 mil, segundo Dosseur —um crescimento de quase 42%, a ser acompanhado por um aumento nas contratações, estimadas em 15 mil.

Diarra está na primeira das cinco etapas de uma seleção que pode durar entre quatro e seis meses. A mãe ainda não sabe de sua iniciativa; o pai, com passagem pelo Exército e hoje funcionário da Polícia Nacional, apoia a ideia.

O jovem, que conta ter perdido dois conhecidos no ataque à casa de shows Bataclan, quer servir na infantaria.

"Tenho um pouco de medo, mas é preciso ajudar o país. Nasci aqui, ele é tudo para mim", disse na sexta-feira (4), papelada na mão, na porta de um quartel em Vincennes (sudeste parisiense).

SERVIR AO PAÍS

Esse sentimento de pertencer a uma "família" era até aqui um dos principais estímulos para o alistamento, de acordo com o coronel Bruno Bert, que responde pelo recrutamento na capital e arredores. Os outros eram o gosto pela aventura, por viagens e esportes –ou a simples vontade de ter um emprego estável.

"Agora o discurso dos candidatos enfatiza muito mais o desejo de servir ao país. Mas sem traços revanchistas ou de intolerância religiosa", diz.

"Essa juventude foi tocada em seu cotidiano, em seu íntimo, sentiu-se ameaçada. Por isso, retoma valores tradicionais e quer passar à ação para proteger seu círculo de relações", completa Dosseur.

É de fato o que se percebe na fala de neófitos como Hélène Gallais, 25, que pensava em se alistar havia dez anos, mas só submeteu seu dossiê de candidatura na sexta. Ela quer trabalhar no setor de comunicação.

"Cansei de trabalhar em empresas que não beneficiam as pessoas. É importante se sentir útil e defender nossos valores", diz.

"Os atentados aceleraram [o alistamento], mas quis esperar três semanas para amadurecer meu projeto, para não ser trazida aqui por uma vontade de vingança. Conheço pessoas que foram feitas reféns no Bataclan. Poderia ter sido eu."

A mesma sensação tem Abderhamane Fofana, 19. "Quero intervir de algum jeito, servir ao meu país e a populações em dificuldade."


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