Folha de S. Paulo


Aula nos EUA ensina mulheres a se defender sem descer do salto

Dina Litovsky - 15.nov.2015/The New York Times
NOV. 15, 2015. -Avital Zeisler da licoes de autodefesa com saltos altos em uma aula particular em Nova York- Avital Zeisler teaches a lesson of self-defense in heels to a student in a private session in New York, Aug. 26, 2015. Zeisler, an expert in hand-to-hand combat, is not the first or only person teaching such self-defense techniques. The instructional website Howcast has posted videos about using heels in self-defense. (Dina Litovsky/The New York Times) ORG XMIT: XNYT81 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Avital Zeisler dá lições de autodefesa com saltos altos em uma aula particular em Nova York

Era uma noite chuvosa, e cerca de 30 mulheres, a maioria das quais usando saltos altos, estavam reunidas em um estúdio para ensaios na região central de Manhattan, envolvidas em uma série de manobras de combate: socos poderosos, uso de cotoveladas para escapar de estrangulamentos, chutes ferozes.

"A ideia é desenvolver memória muscular quanto a esses movimentos", disse a líder da sessão, Avital Zeisler, antiga bailarina de postura muito rija com vastos cabelos castanhos que fazem lembrar Cher em seus anos de parceria com Sonny.

Zeisler, 26, não é modelo ou atriz, e suas alunas não estão participando de uma aula de exercícios de valor dúbio, como o pole dancing.

Sua especialidade é o combate corpo a corpo, e ela já treinou membros das Forças Armadas e da polícia, bem como as atrizes Keri Russell, Megan Boone e Amanda Seyfried.

Ela fala apaixonadamente sobre o aprendizado da autodefesa pelas mulheres —não importa que roupa estejam usando ou sapatos estejam calçando. E por isso, a sessão de exercícios, pela qual ela pode cobrar até US$ 80 em outras circunstâncias, era gratuita naquela noite.

"O objetivo é desordenar o processo de raciocínio do agressor —mesmo que só levá-lo a desviar os olhos momentaneamente", disse Zeisler às participantes.

Lydia Billings, 24, fotógrafa e fundadora da organização End Rape Now [acabe com o estupro já], ficou impressionada. Sua melhor amiga foi estuprada, quando as duas estavam no segundo grau, conta, mas Billings jamais havia feito uma aula de autodefesa, até agora.

"Algumas manobras muito simples, mas muito poderosas, podem livrá-la de qualquer situação", disse Billings, que usava sapatos Payless de salto alto.

Zeisler não é a primeira ou a única pessoa a ensinar técnicas de autodefesa como essas. O site de vídeos de orientação Howcast já havia postado vídeos sobre o uso de saltos altos como arma de autodefesa (já que estamos em 2015, o iPhone é outra potencial arma).

E Jennifer Cassetta, 39, personal trainer em Los Angeles e faixa preta do terceiro grau em hapkido, criou um curso chamado "salto agulha e autodefesa" em 2007.

"As mulheres se sentem muito poderosas usando saltos altos", disse Cassetta. "Adoro saltos altos. Adoro a sensação das minhas pernas quando estou com eles. Mas a maioria das mulheres mal consegue andar com esse tipo de sapato, quanto mais correr. Se você não pode fugir correndo, é melhor que saiba como brigar para rechaçar um ataque. É preciso estar preparada o tempo todo, não importa o que você esteja vestindo, não importa a sua altura."

Embora seja sabido que sapatos podem ser armas letais —no ano passado, Ana Trujillo, do Texas, foi sentenciada à prisão perpétua por apunhalar e matar seu namorado com um sapato de salto agulha de 14 centímetros—, eles nem sempre são acessíveis quanto você os estiver calçando. E tendem a prejudicar uma das melhores estratégias de autodefesa: fugir correndo.

Mas, a despeito dos alertas sobre os perigos dos saltos e do estrago que eles podem causar às costas e tornozelos de quem os calça ("fazer exercícios usando salto alto faz muito mal aos tornozelos e pode causar lacerações musculares ou tendinite", diz Rob Conenello, especialista em podologia esportiva em Orangeburg, Nova York, e antigo presidente da Academia Americana de Medicina Esportiva Podológica), é improvável que as mulheres urbanas venham a deixar de usá-los.

Assim, algumas pessoas preocupadas com sua segurança começam a incorporar essa realidade às precauções necessárias.

Dina Litovsky - 15.nov.2015/The New York Times
NOV. 15, 2015. -Avital Zeisler (a esquerda) durante aula de autodefesa com saltos altos em em Nova York - Avital Zeisler, left, teaches a lesson of self-defense in heels to a student in a private session in New York, Aug. 26, 2015. Zeisler, an expert in hand-to-hand combat, is not the first or only person teaching such self-defense techniques. The instructional website Howcast has posted videos about using heels in self-defense. (Dina Litovsky/The New York Times) ORG XMIT: XNYT83 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Avital Zeisler (à esquerda) durante aula de autodefesa com saltos altos em em Nova York

AGRESSÃO SEXUAL

De acordo com uma análise da ONU, cerca de 35% das mulheres de todo o mundo dizem ter experimentado violência física, o que inclui estupro, homicídio e assédio sexual.

Zeisler é uma dessas mulheres. Aos 19 anos, foi agredida sexualmente por seu então namorado, e depois disso sofreu uma depressão que a debilitou profundamente.

Saiu de casa, em Toronto, e viajou a Israel, a terra natal de seu avô, a fim de estudar krav magá, uma técnica israelense de autodefesa.

Em 2013, criou e começou a lecionar o método Soteria (Soteria é a deusa grega da segurança), cujos componentes incluem autodefesa, condicionamento físico e, sim, "ganhar poder". Ela define a autodefesa como "ter a capacidade de criar, viver e proteger uma vida que você ame".

O argumento dela é que as mulheres não deveriam ter de alterar sua aparência ou "comprometer sua feminilidade", diz, a fim de garantir sua capacidade de se proteger.

"Quando ensino autodefesa, quero garantir que seja de uma forma autêntica para as mulheres", disse Zeisler, que também escreveu um livro intitulado "Weapons of Fitness". Entre essas armas, presumivelmente, sapatos Christian Louboutin.

"O ponto de treinar usando saltos altos é que, se você estiver usando saltos altos e for atacada", diz ela, "estará equipada com algumas estratégias que podem salvar sua vida".

Lori Hartman Gervasi, 57, moradora da Califórnia e faixa preta em caratê tradicional, já lecionou autodefesa para mulheres que usam saltos altos e acredita que as mulheres precisam contemplar seus sapatos, e outras peças de roupa, antes mesmo que um ataque ocorra.

"Dessa forma, elas não ficarão paradas pensando que algum cretino as agarrou e as está arrastando pelo cabelo para o seu carro e justo quando estão de salto alto", disse Gervasi, autora de "Fight Like a Girl... and Win: Defense Decisions for Women" (lute como uma garota... e vença: decisões de defesa para mulheres).

"Uma mulher atacada assim deveria saber de que opções dispõe para escapar dessa enrascada —como espetar o olho do atacante com o dedão e usar os saltos altos para aplicar-lhe uma rasteira e, quando ele cair, chutá-lo na virilha."

Seyfried, 29, treinou com Zeisler ocasionalmente durante dois anos e disse que os conselhos da treinadora incluíam muitas dicas para situações hipotéticas.

"É sobrevivência básica e como aprender a ser mais esperta que o atacante", diz a atriz. "Não basta aprender, é preciso entranhar os movimentos, criar memória muscular. Ela me fazia imaginar as possibilidades e me imaginar nessas situações. Se você tem uma saída e ela está bloqueada pelo agressor, o que você faz?"

(Resposta: olhe atentamente o agressor para ver se ele está armado, e em seguida improvise uma arma, como uma cadeira —ou sapato. Se isso não for possível, o treinamento de autodefesa permite que uma mulher "chegue perto e neutralize a ameaça", diz Zeisler.)

Vanessa McDaniel, 33, designer gráfica que está viajando pelo mundo, se entusiasmou tanto com as aulas de Zeisler, que ela acompanha desde novembro de 2012, que planeja se tornar professora de Soteria.

McDaniel sofreu um ataque quando era mais jovem, e sempre imagina de que modo poderia ter escapado.

"Treinar com Avi me deu mais confiança", ela disse. "Caminhando pela rua, sinto-me mais equipada para lidar com assobios ou outras situações que possa encontrar, e —feliz ou infelizmente, a depender de como você encara a coisa— tive a oportunidade de usar na vida real parte do que ela me ensinou."

E Dayna Bloom, 26, cantora e compositora que vive em Nova York, disse que treinar com Zeisler lhe deu energia adicional em outras áreas que não a autodefesa.

Bloom aprendeu "como atacar a vida", ela disse. "Ainda que não haja pessoa alguma me atacando."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: