Folha de S. Paulo


Desenvolvidos querem que paguemos a conta do clima com eles, diz ministra

O governo brasileiro chegará para a Conferência do Clima, que se inicia nesta segunda (30) em Paris, disposto a não ceder aos apelos dos países desenvolvidos para contribuir com o fundo de US$ 100 bilhões anuais destinado a ajudar países em desenvolvimento a se adaptar às mudanças climáticas.

"Os países desenvolvidos querem que a gente pague a conta do clima junto com eles", disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em entrevista à Folha.

Apesar de os compromissos de cortes de emissões apresentados pelos países ultrapassarem a meta de aquecimento de 2ºC, a ministra se mostra otimista com a reunião. "O aumento de 2°C é para o fim do século. Você tem que fazer todo mundo começar a jogar."

Izabella acompanha a presidente Dilma Rousseff na missão no momento em que o Brasil vive um desastre ambiental de proporções históricas após o rompimento da barragem da mineradora Samarco em Minas –e pelo qual deverá ser questionado em Paris.

A entrevista foi concedida antes do anúncio, na quinta (26), de que o desmatamento na Amazônia cresceu 16% no último ano. A meta apresentada pelo Brasil é baseada, em grande parte, na queda de emissões que já tinha sido obtida com a redução do desmatamento de 2005 a 2012.

Alan Marques/Folhapress
A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, durante entrevista sobre a conferência do clima
A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, durante entrevista sobre a conferência do clima

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Folha - Uma das principais preocupações sobre o tratado de Paris está na linguagem que vai reger sua aplicação. Qual a real chance de se ter um acordo legalmente vinculante?
Izabella Teixeira - Toda a colocação que está hoje na mesa é para que seja legalmente vinculante, porque caracteriza uma obrigação de cumpri-lo. O governo brasileiro defende um texto legalmente vinculante, a União Europeia também. Mas chega um determinado momento, na negociação, em que você começa a procurar uma linguagem, do ponto de vista do direito internacional, que gere conforto para as partes.

Para os Estados Unidos, inclusive.
A questão de ser o Congresso americano que não viabiliza... Bem, todos os países terão que ratificar os acordos em seus congressos nacionais. Também não é tão trivial, por exemplo, a ratificação dentro do Congresso brasileiro.

Por outro lado, se você quer um acordo para valer, tem que ter os EUA a bordo, porque eles são, com a China, os maiores emissores de gás de efeito estufa.

É uma decisão que terá que ser por consenso, e essa é a riqueza e, ao mesmo tempo, a dificuldade e a complexidade política do multilateralismo. Vai depender do amadurecimento das posições políticas, de muito diálogo e, obviamente, de ambição política. Esse é um assunto que vai continuar polarizando as negociações, até que num determinado momento pode-se encontrar uma linguagem que seja palatável para todo mundo.

Qual seria essa linguagem?
Você pode falar em politicamente vinculante, uma coisa administrativamente vinculante. Ou que possa ser uma linguagem legalmente vinculante que não tenha que envolver os Congressos, que possa ser circunscrita ao governo.

Isso seria possível?
Na linguagem diplomática, eles estão procurando os caminhos para isso. Para o Brasil, é importante que seja legalmente vinculante porque isso dá poder de cobrar as coisas e não só ser cobrado.

Qual seria a força de um texto não legalmente vinculante? Seu descumprimento geraria apenas um constrangimento político?
O documento de Paris vai ter em sua base todos os compromissos que os países entregaram, possivelmente com o compromisso de não voltar atrás, com regras de avaliação, de monitoramento. Você tem que ter os meios de implementação colocados, senão fica um "faroeste do carbono", onde cada um faz o que quer.

Acho que Paris é a conferência que chega mais acabada, desde Copenhague, para você ter um acordo com o engajamento de todos os países.

O que tem de bonito e inovador é que você faz com que todo mundo coloque lá seu compromisso –condicionado ou não condicionado. É uma nova perspectiva de negociação.

Um levantamento da ONU mostra, contudo, que com os compromissos apresentados, o aumento de temperatura ficaria acima da meta dos 2°C até 2100. É possível ser mais ambicioso ainda em Paris?
Paris tem um piso de fazer acontecer as INDCs [contribuição pretendida nacionalmente determinada, na sigla em inglês]. Todos os países que estão buscando acordo em Paris se comprometeram até 2°C. Cada um entregou o que considera sua intenção. E confesso que eu esperava que o resultado fosse mais conservador ainda.

Agora você não pode dizer que tem que rever sua ambição se não tiver os meios para fazê-lo. Muitas dessas ambições têm a ver com disponibilidade de crédito e de tecnologia e com capacidades nacionais.

Se você não resolver esses meios de implementação, vai continuar querendo mexer na ambição. E, no fundo, o [compromisso de] aumento de 2°C é para o fim do século. Você tem que fazer todo mundo começar a jogar.

Temos que trabalhar nos próximos anos para ver o que pode ser feito de adicional. Sem a revisão de 2025 para saber se está dando certo ou não, acho que é meio que forçar a barra antes.

Os países desenvolvidos querem que emergentes como China e Brasil contribuam com o fundo para ajudar países em desenvolvimento a se adaptar às mudanças climáticas. Qual a possibilidade de o Brasil se comprometer?
Os países desenvolvidos querem que a gente pague a conta do clima junto com eles. Esse fundo é de obrigação dos países desenvolvidos, eles que assumiram o compromisso. O Brasil não tem condições de colocar dinheiro.

Os chineses, na reunião do Basic [Brasil, África do Sul, Índia e China, em outubro], foram claríssimos que não aceitam isso. A Índia tampouco, porque são países ainda em desenvolvimento, com desigualdades imensas. Mas os chineses resolveram financiar isso via cooperação Sul-Sul, bilateralmente –uma prática que o Brasil já adota.

O Brasil já apoia países mais pobres. A gente faz, em toda a Bacia Amazônica, o financiamento para o monitoramento e para [os outros países] adotarem as nossas práticas de redução de emissões associadas a florestas. Vamos financiar agora um projeto de US$ 37 milhões para a Bacia do Congo. Nós continuaremos a investir e cooperar no âmbito Sul-Sul.

Grande parte da meta apresentada pelo Brasil já foi alcançada com o combate ao desmatamento nos últimos anos. O país não poderia ter ido além em seu compromisso?
O Brasil já é o país que, individualmente, apresentou a maior ambição do mundo. E a gente nem começou a fazer o que prometeu.

Foi tudo feito com base no que é possível fazer, nas políticas públicas e nos recursos do Brasil. Se vier mais recursos, se aprendermos a trilha do reflorestamento e tornarmos isso competitivo, por exemplo, o Brasil pode ir a 20 milhões de hectares [de reflorestamento; o Brasil prometeu 12 milhões de hectares até 2030]. Mesmo assim, 12 milhões de hectares é metade da França em termos de território.

Você tem uma cultura política que precisa ser feita para que todos os setores se engajem na questão da economia de baixo carbono.

É fácil dizer que se pode fazer mais. A INDC do Brasil é baseada no seu perfil de emissões. O Brasil já teve no desmatamento a maior fonte de emissões, mas ainda não resolvemos o problema do desmatamento na Amazônia.

Quando você entrega a meta, você tem que dizer como você faz, como você mede. Vamos ter que trabalhar muito até 2020 para poder ter segurança de que em 2025 eu vou conseguir fazer mais. Se em 2020, estiver tudo ok, eu vou estar aposentada e escrevendo artigo mandando fazer mais. Vou adorar estar cobrando.

Em junho, a presidente Dilma tinha anunciado meta de desmatamento zero até 2030. Mas a INDC, entregue em setembro, fala em desmatamento zero apenas na Amazônia. Por que mudou?
A gente colocou da Amazônia porque é o que a gente pode medir. Agora teremos um sistema de monitoramento, com taxa de desmatamento, em todos os biomas. O que é ilegal é crime e tem que acabar.

Então a INDC prevê desmatamento ilegal zero para todos os biomas?
Ela prevê o monitoramento e a conta que foi feita é em cima da taxa da Amazônia. Mas a ambição é monitorar todos os biomas e acabar com o desmatamento ilegal nesses biomas: Cerrado, Caatinga...

Como foi anunciado nesta semana o início do monitoramento de todos os biomas, não é o caso então de incluir todos no INDC?
Não, porque eu só posso oferecer [meta] se eu tiver métrica, não posso projetar nada. É preciso construir a trajetória [do desmatamento].

O Brasil e a UE têm defendido a revisão das metas a cada cinco anos. Mas nem no texto do G20, recentemente, isso não foi incluído. É possível que seja aprovado em Paris?
Fui informada que na reunião do G20 a resistência foi da Índia, mas na reunião do Basic em Pequim [em outubro], a Índia assinou concordando. Não tem muito sentido se você não tiver um mecanismo de revisão para cima ou para baixo. É óbvio que tem que ter um mecanismo de monitoramento, de avaliação e me parece bastante razoável que você possa rever a cada cinco anos as suas intenções, as suas metas, dizer o que está dando certo, o que não está, o que pode acelerar.

Estimativa do Observatório do Clima mostra que a emissão de gases estufa para obter energia cresceu 6% no Brasil em 2014, ano em que o país registrou 0,1% de crescimento. Cortar emissões provenientes de energia é o principal desafio?
Por que cresceram as emissões em 2013, 2014? Porque você teve uma seca monumental no país, diminuiu a geração de energia hídrica na matriz elétrica brasileira e a gente teve que fazer backup com energia térmica.

Naturalmente, porque você vai estar crescendo, crescendo a população, vai aumentar as emissões de energia. Por mais que se fale de energia renovável, vai ter aumento de emissão.

E se as projeções de emissões forem superadas em algum setor por alguma razão na década, você terá, para cumprir a meta, que compensar em outros setores.

Mundialmente falando, o setor de energia é responsável por 76% das emissões, então ele sempre será o ator preponderante. Mas a participação da geração de energia elétrica no Brasil não chega a 0,5% das emissões globais de energia.

E emissões você calcula num intervalo de tempo, de dez em dez anos, por exemplo. Nunca se faz essa análise pontual. O impacto na década terá que ser visto.


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