Folha de S. Paulo


Brasil é essencial para monitorar eleição venezuelana, diz opositor

Desgastado e amplamente visto como culpado pela situação calamitosa que a Venezuela atravessa, o governo chavista recorre à violência como última arma nesta reta final antes da eleição parlamentar de 6 de dezembro, diz Jesus Torrealba, secretário-geral da coalizão opositora MUD (Mesa da Unidade Democrática).

Em entrevista à Folha horas após o assassinato do opositor Luis Manuel Díaz, Torrealba cobrou condenação firme de governos estrangeiros e disse que uma missão de acompanhamento eleitoral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) sem o Brasil é como 'carnaval sem samba'. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Miguel Gutierrez/Efe
CAR14 CARACAS (VENEZUELA) 25/11/2015.- Fotografia del 24 de noviembre del 2015 del secretario de la Mesa de Unidad Democrática (MUD), Jesus Torrealba, en una entrevista en Caracas (Venezuela). Torrealba afirma que la alianza opositora venezolana ganará las elecciones legislativas del próximo 6 de diciembre, aunque recalca que no será para sustituir
O secretário-geral da coalizão opositora venezuelana MUD, Jesus Torrealba

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FOLHA - Como reage à morte de Luis Manuel Díaz?
JESUS TORREALBA - Foi um ato extremamente grave. Sem querer me aprofundar muito no mérito de quem exatamente disparou, este crime ecoa as agressões e a retórica lançadas pelo mais alto escalão do governo, que vive provocando e estimulando a violência. É imprescindível que a comunidade internacional condene categoricamente e publicamente estes atos que tentam calar a voz do povo antes da eleição. A campanha presidencial na Argentina foi duríssima e teve retórica muito inflamada, mas jamais recorreu-se à violência física, que é marca registrada do subdesenvolvimento político. O que aconteceu não é um fato isolado, mas resultado da estratégia pela qual o governo diz que ganhará a eleição "como seja."

O que o governo ganha com violência?
O governo não tem mais instrumentos de reação política. Está desesperado. Sua gestão é tão desastrosa que ele está mais de 30 pontos abaixo da MUD nas pesquisas de intenção de voto. O uso da violência na América Latina deveria pertencer ao passado dos sandinistas [na Nicarágua] ou dos tempos de Duvallier [no Haiti]. O pouco de simpatizantes que restam ao governo precisam entender que não são comportamentos assim que irão garantir sua vitória. Há 17 anos este projeto político tinha uma liderança carismática que propunha ao país a salvação dos pobres e a luta contra a corrupção. Hoje este projeto político está tão deteriorado que não lhe resta mais nenhuma bandeira legítima pela qual possa lutar. Sobraram apenas violência e trapaça.

De todas as manobras do governo nesta campanha, qual mais afeta a oposição?
A violência em 2015 é mais localizada que no ano passado porque o governo perdeu até a capacidade de organizá-la. Ela é mais localizada, mas mais desesperada e intensa. O caso de Díaz não é único. Há dias, pessoas que seguiam o governador Henrique Capriles no Estado de Bolívar foram brutalmente agredidas. Numa favela de Caracas, elementos ligados ao governo sequestraram um caminhão com toda a propaganda que íamos distribuir e a queimaram numa fogueira noturna, como os nazistas queimavam os livros.
O pior é a desigualdade institucionalizada, a aliança entre o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela, chavista) no governo, no Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e na [estatal petroleira] PDVSA, contra a qual é muito difícil lutar. O CNE, por exemplo, permite que se confunda o eleitor. Um partido fantasma [Min-Unidade] que foi sequestrado pelo PSUV tem um logo que clona o nosso e foi colocado ao lado da opção MUD no boletim de voto. Há uma campanha milionária para promover este partido com a clara intenção de confundir o eleitor.

Não há um excesso de otimismo por parte da oposição antes da eleição?
A MUD nunca esteve em tão boas condições. Temos uma visão compartilhada da crise e isso nos credencia para oferecer respostas coesas diante dos desafios. Fizemos eleições primárias que nos permitiram definir responsabilidades e lideranças. Temos boletim comum, comando único e estratégia unificada. Há um ano e meio não tínhamos nada disso.
Além disso, já mapeamos as irregularidades eleitorais. Sabemos onde e quando elas ocorrem. O local é fácil de saber. É só observar onde ocorrem coisas atípicas, como centros de votação onde o governo obtém 100% dos votos, algo estatisticamente impossível. São áreas localizadas na pobreza urbana e rural com uma ou duas mesas de votação. Também sabemos quando porque como o sistema é eletrônico e informatizado, podemos localizar os picos de descarga da informação, e esses picos ocorrem depois das 18h, nas prorrogações irregulares permitidas pelo CNE.

O governo sempre conseguiu convencer os mais pobres que a oposição acabará com os subsídios e as missões [programas sociais símbolo do chavismo].
Eu não sou de nenhum partido nem candidato a nada. Sou um cidadão comum, que cresceu em Catia e Caricuao [favelas de Caracas] e passou a maior parte do tempo trabalhando em comunidades carentes. Este discurso já não cola. Quando [o presidente Nicolás] Maduro diz que a oposição vai acabar com as missões, o morador da comunidade sabe que quem acaba com as missões é o próprio governo. Só recebe benefício quem protesta e queima pneus antes da eleição. Só tem acesso à missão Vivienda [casas populares] quem tem informação. E quem tem informação não são os mais pobres, mas a classe média, golpeada e empobrecida pela crise. A única chance de um jovem casal de trabalhadores conseguir um apartamento é por meio das missões.

A MUD quer acabar com as missões?
Faz três anos que lutamos por um projeto de lei de missões para todos. A ideia é acabar com a manipulação política e fortalacer critérios técnicos para conceder o benefício. O Estado foi invadido e cooptado pelo PSUV e transformou a política social em ação de proselitismo. Agradeço profundamente ao ministro da Educação, Hector Rodriguez, que foi de uma franqueza brutal ao dizer que o governo não queria tirar os pobres da pobreza porque, se ascendessem à classe média, iriam votar na oposição. Para eles, a política social é um instrumento de chantagem e extorsão.

Por que a MUD não quer se comprometer a aceitar o resultado da eleição, como pede a Unasul?
Porque estamos totalmente de acordo com o que disse o TSE brasileiro [Tribunal Superior Eleitoral TSE] quando manifestou suas reservas a respeito do clima de inequidade no processo eleitoral venezuelano. Uma missão de observação, seja da Unasul, da OEA, ou da União Europeia, tem como razão de ser a avaliação das condições que permitam garantir aos candidatos a certeza da estabilidade dos resultados. Uma missão de observação não pode chegar a um lugar, descer do avião e pedir a aceitação prévia dos resultados. Existe amplo consenso internacional sobre a iniquidade na Venezuela. É nestas condições que chega a missão da Unasul, incompleta e atrasada. Incompleta porque é encabeçada por um senhor que nem é da Unasul nem é perito no tema eleitoral e que tem como subordinado imediato um magistrado boliviano fortemente criticado dentro do seu próprio país. Além disso, uma missão da Unasul sem o Brasil é como um arroz com frango sem frango ou um carnaval sem samba. A missão também chega tarde. Já transcorreram fases muito importantes do processo que escaparam do escrutínio desta missão.

Qual seria a primeira medida da MUD se ganhasse por maioria simples?
Será uma lei de anistia e reconciliação dirigida não apenas aos presos e exilados de oposição mas também a uma importante quantidade de dirigentes governistas de base, indigenistas, ambientalistas, sindicalistas, líderes comunitários que são perseguidos e até presos pelo governo. Depois, faremos tudo que estiver ao alcance do Parlamento para ajudar a reerguer a economia.

A MUD quer chegar ao Parlamento para derrubar Maduro?
Temos a possibilidade de usar os recursos previstos na Constituição para resolver problemas: emenda constitucional, reforma constitucional, referendo revogatório ou Constituinte. São quatro mecanismos constitucionais e democráticos. Temos prerrogativa para, por exemplo, convocar o ministro da energia elétrica e exigir que explique seu fracasso. E se, na cruzada para construir soluções ao drama econômica e social, precisarmos chegar ao referendo revogatório ou à Constituinte, estaremos acompanhados não só pela maioria que nos dará controle, mas também pelo apoio popular.


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