Folha de S. Paulo


ANÁLISE

O feito notável de Mauricio Macri

As eleições presidenciais argentinas representam um feito notável para Mauricio Macri, o político de centro-direita que saiu vencedor.

A Presidência é a última parada em uma trajetória altamente incomum. Certamente não se trata de uma história de alguém que veio de baixo. Como Cristina Kirchner e muitos outros políticos argentinos de esquerda e direita, Macri é muito rico. O que ele tem de incomum é que se trata de um tipo novo de presidente para o país.

Ele não pertence a nenhum dos partidos tradicionais que governaram a Argentina nos dois últimos séculos. O fim da dinastia Kirchner no poder também representa a afirmação de um novo partido político, o PRO.

David Fernández/Efe
O candidato opositor Mauricio Macri, da coligação de centro-direita Mudemos, comemora vitória nas eleições de domingo (22)
Mauricio Macri, da coligação de centro-direita Mudemos, comemora vitória nas eleições de domingo (22)

Criado por Mauricio Macri como veículo para a conquista da Prefeitura de Buenos Aires, o PRO não tem história para além da pessoa de Macri. Desde a fundação, é ele, claramente, o principal líder.

Muitos peronistas insatisfeitos com o governo Kirchner aderiram ao PRO, bem como pessoas das tradições de direita e centro.

O que ficou claro desde o começo é que o PRO era um partido de centro-direita identificado internacionalmente com outros partidos latino-americanos e europeus, como o Partido Popular, da Espanha, e os governos direitistas do Chile e da Colômbia, entre outros.

Mas essa afiliação direitista convencional mudou nos últimos seis meses da campanha presidencial.

Macri disse aos seus eleitores que se identificava com o desenvolvimentismo econômico e não favorecia a austeridade. Também denunciou os altos níveis de pobreza e aliou seu partido ao Partido Radical, centrista, dos ex-presidentes Raúl Alfonsín (1983-1989) e Fernando de la Rúa (1999-2001). Afirmou igualmente não ser "neoliberal".

MUDANÇA

Muitos críticos de Macri perceberam as contradições históricas. Mas, agora que ele venceu as eleições, esse não é o ponto mais importante.

O ponto é que Macri mudou seu discurso a fim de atrair os mais de 17% dos eleitores que não votaram nele no primeiro turno, do qual saiu derrotado por Daniel Scioli, conquistando apenas 34,15% dos votos.

Mesmo assim, muitos eleitores optaram por Macri porque queriam tirar da Casa Rosada o legado de Cristina Kirchner. No segundo turno, ele se beneficiou ainda mais daquilo que o jornalista argentino Carlos Pagni definiu no jornal "La Nación" como "votos emprestados".

Editoria de Arte/Folhapress
Mapa Argentina Segundo Turno votação
Mapa Argentina Segundo Turno votação

Muitos desses eleitores anti-Kirchner não são o típico eleitorado direitista de Macri.

Se Macri é o vencedor, Cristina Kirchner é a principal derrotada.

Acima de tudo, muitos argentinos votaram contra o dúbio legado de Cristina Kirchner. Votaram contra sua má gestão da economia.

Contra seu tratamento incompreensível das relações internacionais, que inclui um pacto com o Irã, relações sólidas com a Rússia de Vladimir Putin e a Venezuela e insuficientemente estreitas com o principal parceiro geopolítico da Argentina, o Brasil; e desgaste desnecessário no relacionamento com a União Europeia e os EUA.

Os eleitores votaram em Macri a despeito de seu passado neoliberal e agora esperam que ele faça no governo o que lhes disse recentemente que faria, acima de tudo evitar medidas de austeridade e combater a pobreza.

Um dia depois da eleição, Macri também declarou apoio aos julgamentos em curso dos criminosos militares da Guerra Suja, bem como a necessidade de priorizar as investigações de corrupção.

Será que ele também manterá o apoio às escolas e universidades públicas? Muitos de seus eleitores não conservadores esperam que o faça.

Por fim, mas não menos importante, Macri prometeu aos eleitores que manterá um diálogo verdadeiro com a oposição e enfatizará o equilíbrio entre os Poderes.

Em resumo, Macri venceu porque convenceu a maioria do eleitorado de que não se tornará um novo líder populista —desta vez, de direita.

Como será o verdadeiro Macri no poder? O político da campanha ou aquele que recicla, e até reformula, os velhos hábitos do populismo?

Macri entende que, como presidente, será o representante executivo dos cidadãos, o que inclui os quase 50% que não votaram nele? Ou essa vitória o levará a acreditar que ele sabe melhor que o povo o que este deseja?

Se ele optar pela segunda, seu partido e sua presidência seguirão a longa tradição política argentina iniciada por Juan Perón e perpetuada por Menem e pelos Kirchner.

FEDERICO FINCHELSTEIN é professor e diretor do Departamento de História da New School for Social Research, Nova York


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