Folha de S. Paulo


Após 30 anos, EUA libertam nesta sexta espião que trabalhou para Israel

Quando cruzar o portão do Complexo de Correção Federal Butner, na Carolina do Norte (EUA), o espião americano naturalizado israelense Jonathan Pollard, 61, terá deixado para trás 30 anos de prisão.

O ex-analista de inteligência da Marinha americana será indultado nesta sexta (20), conforme a lei dos EUA, apesar de ter sido condenado à prisão perpétua na mais longa sentença por espionagem da história americana.

A libertação, no entanto, não ajudará a decifrar quem é Pollard: um traidor americano trapalhão ou um agente secreto traído pelos aliciadores israelenses. Nem esclarecerá por que ficou tanto tempo preso quando espiões pegam, no máximo, dez anos de cadeia.

As respostas terão de esperar. Pollard ainda cumprirá cinco anos de liberdade condicional, durante os quais não poderá dar entrevistas ou sair dos EUA.

"A longa condicional é para evitar que ele seja recebido como um herói por alguns em Israel", diz o especialista Eytan Gilboa.

"Ele recebeu pena maior do que agentes bem mais perigosos de países inimigos. Não convencemos os americanos de que Pollard não tinha parceiro e de que não juntamos mais informação sobre eles", diz Danny Ayalon, 60, ex-embaixador de Israel nos EUA.

"Muitos judeus americanos ficaram felizes por ele ter cumprido pena tão longa. Pollard causou dano enorme à comunidade", diz Azriel Bermant, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel.

O espião também se tornou uma carta de troca na manga dos americanos. Quando o indulto foi anunciado, em julho, especulou-se que seria uma compensação a Israel pela assinatura do acordo nuclear do Ocidente com o Irã.

Ammar Awad - 9.jan.2014/Reuters
Israelenses seguram cartazes pedindo a libertação de Pollard, em janeiro de 2014
Israelenses seguram cartazes pedindo a libertação de Pollard, em janeiro de 2014

O caso começou em 1984, quando Pollard contatou os israelenses, oferecendo-se para repassar segredos aos quais tinha acesso na Marinha.

Alegou amor por Israel, apesar de ter ido ao país só uma vez.

Segundo o investigador americano Ronald Olive, em 18 meses, ele roubou mais de 1 milhão de páginas de material secreto, como imagens de instalações químicas e biológicas no Iraque e na Síria e sítios nucleares no Paquistão.

Em 21 de novembro de 1985, imaginando ter sido desmascarado, Pollard e sua mulher na época, Anne, decidiram pedir asilo na embaixada de Israel em Washington. Ambos foram presos.

A princípio, as autoridades israelenses negaram qualquer ligação. Furiosos, os americanos exigiram que Israel devolvesse todos os documentos e colaborassem totalmente.

O então premiê Shimon Peres aceitou os termos. Mas, na prática, o governo encobriu e falsificou evidências, devolvendo só parte dos documentos e omitindo nomes.

"Cometemos muitos erros. Mas o principal foi recrutar Pollard. Não havia necessidade de, para conseguir mais uma vírgula de informação sobre os EUA, colocarmos em perigo nossa relação com Washington", diz Danny Ayalon.

Em 1987, a Justiça condenou o espião à prisão perpétua por causa de um parecer de 46 páginas (até hoje secreto) do então secretário da Defesa, Caspar Weinberger.

O primeiro passo de Pollard será, provavelmente, se reunir com a segunda mulher, a religiosa canadense Esther, com a qual se casou em 1991 após divorciar-se de Anne –que cumpriu cinco anos de prisão.

Depois, se mudará para Nova York, onde começará a apelar à Justiça para diminuir o tempo de condicional.

Em Israel, as autoridades não festejam a soltura, ao menos abertamente.

"Israel deve tratá-lo com compaixão, mas não como herói. Não queremos jogar mais sal na ferida", diz Ayalon.


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