Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Debate sobre poder policial do Estado ganha força

Philippe Wojazer - 16.nov.2015/Reuters
O presidente François Hollande, deputados e senadores cantam a Marselhesa, hino nacional francês
O presidente François Hollande, deputados e senadores cantam a Marselhesa, hino nacional francês

Os grandes ataques terroristas do século têm sido eficientes não apenas no morticínio. A cada massacre, aumenta o poder de polícia dos Estados mais democráticos; ganham aceitação ideias mais autoritárias. Por necessidade, emergência ou política, é o que está para acontecer também na França.

O debate tende a ser mais duro por aqui.

Nesta segunda-feira (16), o presidente francês, François Hollande, foi saudado como símbolo da "união nacional" no Congresso reunido no Palácio de Versalhes (reunião de deputados e senadores, para aprovar mudanças constitucionais ou ouvir o presidente em ocasiões excepcionais, apenas a segunda na República de 1958).

Já no dia seguinte, nesta terça-feira (17), houve um bate-boca feio na Assembléia entre deputados de direita e o primeiro-ministro Manuel Valls (socialista), que foi até vaiado pela oposição.

Motivo: a direita quer prisões, braçadeiras eletrônicas, mais vigilância e dureza com os suspeitos de ameaçar o Estado (os 4.000 fichados "S", vários deles tendo se revelado terroristas de fato).

Ainda ontem, sindicatos de juízes e advogados criticaram a "virage sécuritaire" de Hollande (endurecimento das leis de segurança).

O sindicato dos juízes lamenta o "discurso marcial" (de guerra) e diz que o "estado de urgência modifica perigosamente" os poderes policiais das autoridades administrativas.

Para o sindicato dos advogados da França, trata-se de uma "ameaça às liberdades fundamentais", acentuam a tendência a um "Estado policial", que "no entanto não foi capaz de evitar os ataques".

Sindicatos da polícia reagiram violentamente, a favor da "virage". Aqui, sindicatos, até os da polícia, são parte do debate da mídia.

Por enquanto, se sabe vagamente que Hollande quer constitucionalizar e modernizar o "estado de emergência", uma espécie de "estado de crise".

O "estado de emergência" ("urgence") está em vigor desde os atentados e pode durar por 12 dias; Hollande, por ora, quer que o Parlamento o amplie para três meses.

Nessa situação excepcional, o ministro da Justiça (chefe da polícia, que é nacional) e os chefes de polícia regionais podem decretar toque de recolher, limitar a circulação do público, decidir prisões domiciliares e aumentar os poderes de investigação da polícia sem controle de um juiz e sem limite de horário (de noite), por exemplo.

Além da crise nacional, há eleições regionais no final do ano. Deputados socialistas aplaudem por ora reformas legais que podem limitar direitos civis, pois "deixam a direita sem discurso".

A direita moderada quer "mais ação, já", mas começa a se opor à reforma constitucional.

Na terça na Assembleia, Laurent Wauquiez, número dois dos Republicanos, disse a Valls em suma que, se ele está tão preocupado em proteger os franceses, que dê um jeito nos suspeitos, nos "ficha S" e que os coloque em um centro de detenção especializado.

Valls, inflamado, respondeu que essas pessoas são apenas suspeitas e que não atropelaria direitos.

Wauquiez é a nova estrela da direita moderada, os Republicanos, partido criado neste ano que reuniu gaullistas e outros conservadores, liderado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy. Desde os atentados, repete que, "se for preciso escolher, em um balanço entre mais segurança ou mais liberdade, prefiro mais segurança".

Uma pesquisa com entrevistas on-line feita pelo instituto Ifop para o jornal "Le Figaro" e para a rádio RTL, divulgada na noite de terça, dava que 84% aceitam uma "certa limitação" das liberdades e mais controles policiais se tiverem mais segurança.

A pesquisa é precária, encomendada por um jornal mais conservador. Mas dá uma pista do climão francês.


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