Os consensos em formação após os ataques em Paris deixam o presidente russo, Vladimir Putin, em posição favorecida na esgrima geopolítica que trava com o Ocidente.
Há duas ideias centrais na praça de negociações, que por praticidade retórica do momento desconsideram o fato de que o terror jihadista não começou nem acabará com o Estado Islâmico.
Kayhan Ozer/Reuters | ||
Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Barack Obama, conversam na cúpula do G20 |
De toda forma, está estabelecido que é preciso uma ação mais incisiva, por terra e que vise também o financiamento da facção, para deter o EI. E que apenas a pacificação da Síria poderá sustentar alguma segurança posterior à sua eventual neutralização.
A Rússia, que iniciou sua intervenção direta na guerra da Síria há apenas um mês e meio, é hoje a potência estrangeira mais capacitada a influir nos dois quesitos.
Um fator é a inapetência ocidental para sujar as mãos. Prova disso é o discurso de François Hollande falando em "guerra", enquanto quem manda, Barack Obama, dizia não fazer sentido comprometer muitas tropas contra o EI.
A França tem capacidade limitada de ação unilateral, ainda que acima da média europeia. Interveio com o aval do governo local a partir de 2013 no Mali, contra um misto de revolta nacionalista tuaregue e insurreição jihadista.
Deu certo e, em 2014, a ação foi ampliada pela região do Sahel com forças africanas. Hoje, há cerca de 3.000 soldados franceses em ex-colônias de Paris.
Mas a Síria não é o Sahel, e o que a França pode fazer sozinha é aumentar a intensidade do bombardeio.
No país árabe, o quadro é complexo. Há uma ditadura acuada, extremistas do EI, gente da Al Qaeda, rebeldes que só não são chamados de terroristas porque têm o apoio do Ocidente e das monarquias do golfo que querem barrar a influência do Irã.
E a Rússia. Instalado com forças aeronavais na região de Latakia, berço do aliado Bashar al-Assad, Putin ataca rebeldes de todas as tonalidades, não só do EI, e tem a seu dispor em terra as tropas do ditador, forças irregulares iranianas e o Hizbullah.
Isso mudou o panorama da guerra, embora seja perceptível por ora mais uma estabilização do que uma virada. Ainda assim, é mais do que os ataques liderados pelos EUA fizeram em um ano.
Washington reagiu, dando mais armas aos fracionados rebeldes sírios e apoiando ataques curdos contra o EI.
Nada impede o uso pontual de forças especiais, francesas ou dos EUA, mas, para isso ter efeito, é necessário superioridade aérea –o que a presença russa na Síria não possibilita sem coordenação.
COORDENAÇÃO DE PUTIN
Uma alternativa ao Ocidente seria trabalhar com um Putin em posição de força, dando cartas na sucessão síria.
Duas coisas importam a Moscou: que o aliado não acabe humilhado e morto como Muammar Gaddafi e que seu Exército e burocracia não sejam destroçados como foram os de outro ditador assassinado após intervenção ocidental, Saddam Hussein.
A permanência de Assad no cargo não é um imperativo. Manter algum poder da seita alauita do ditador, contudo, é vital para seus interesses estratégicos e para os do regime xiita do Irã.
No caso russo, um trunfo sírio poderá abrir o caminho para o fim das sanções europeias contra sua economia cambaleante devido à intervenção de 2014 na Ucrânia. O Conselho Europeu discutirá o tema em dezembro.
De quebra, com um governo de transição com elementos do regime de Assad, Moscou poderá manter-se ativa no eixo mar Negro-Mediterrâneo oriental e reforçar a aliança com Teerã, que vinha se abrindo aos EUA.
A questão é: até onde o Ocidente estaria disposto a ir numa negociação com o russo, vilão preferido das democracias lideradas pelos EUA?
A tragédia jogou em favor de Putin, não só em Paris. Mesmo a derrubada de um Airbus russo sobre o Sinai, inicialmente divulgada como acidental, poderá ser assumida como atentado por Moscou. O que era exposição de fragilidade vira argumento.