Folha de S. Paulo


Análise

Rússia teme que fim do EI abra as portas para a oposição a Assad

Tudo para combater o terrorismo, menos envolver "tropas em grande número". É o resumo da entrevista de Barack Obama nesta segunda após encerrada a cúpula do G20 em Antalya, litoral turco.

Obama defendeu as ações militares, diplomáticas, econômicas, de inteligência e de apoio ao desenvolvimento que os EUA adotam contra o EI e argumentou assim sobre tropas no terreno:

Tolga Bozoglu/Efe
O presidente dos EUA, Barack Obama, faz discurso durante a cúpula do G20 em Antalya, na Turquia
O presidente dos EUA, Barack Obama, faz discurso durante a cúpula do G20 em Antalya, na Turquia

"Não porque os nossos militares [que definiu como "os melhores do mundo"] não possam tomar Mossul, Raqqa ou Ramadi e temporariamente limpá-las. Mas seria a repetição do que vimos antes [possível alusão à invasão do Iraque]. Se você não tiver uma população local comprometida com governança inclusiva e que enfrente os extremos ideológicos, eles [os terroristas] ressurgirão, a menos que nós estejamos preparados para ter uma ocupação permanente desses países".

Obama irritou-se com seguidas perguntas sobre a necessidade de novas iniciativas: "Se vocês [jornalistas] têm ideias sobre o que acham que pode ser feito, que apresentem um plano específico".

Vladimir Putin não apresentou um plano específico, mas fez uma denúncia grave:

"Na cúpula, citei, com base em nossos dados, o financiamento de unidades do EI por indivíduos de 40 países, alguns deles membros do G20" (não disse quais).

Síria e seus inimigos

O premiê britânico, David Cameron, apontou o dedo para Putin: "Temos nossas diferenças com os russos, principalmente porque eles fazem muito para degradar a oposição não Estado Islâmico a Assad, gente que poderia ser parte do futuro da Síria".

O ditador sírio, Bashar al-Assad, é, aliás, o motivo que embaça a aparente reaproximação entre EUA e Rússia, simbolizada pela foto de Obama em tête-à-tête com Putin.

Fácil explicar: os EUA acham que a saída de Assad é essencial para o processo constituinte que os dois países —e outros participantes da guerra síria— acertaram em Viena, há uma semana.

O processo culminaria em 18 meses, após os quais haveria eleições —sem Assad, pela posição dos EUA, ou com ele, se depender dos russos.

Se a oposição não terrorista tiver peso no futuro sírio, alinhar-se-ia ao Ocidente, e a Rússia perderia seu cliente no país, o que lhe garante a única base na região.

O conselheiro do Kremlin Iuri Ushakov disse que "os objetivos estratégicos em relação ao combate ao EI são, na questão de princípios, muito similares, mas há diferenças na vertente tática".

Ou seja, a Rússia não gostaria que a derrota do EI abrisse as portas para a oposição não terrorista tomar o poder, destronando Assad.

No momento, EUA e Rússia concordam: sem "eliminar" (verbo usado por Obama) o Estado Islâmico, não há hipótese de iniciar processo político que cale as armas.

Se tal objetivo for alcançado, a tática de cada lado voltará a exibir suas diferenças.


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