Folha de S. Paulo


Livros evidenciam interesse por Richard Nixon 41 anos após renúncia

Único presidente dos EUA a renunciar (para evitar o impeachment que o teria tirado do poder), Richard Nixon continua a ser objeto do interesse dos americanos, 41 anos após a derrocada, duas décadas depois da morte.

Quatro livros a seu respeito, todos volumosos e de autores respeitados, foram lançados desde julho. Embora nenhum traga nenhum fato relevante ainda desconhecido, todos se esforçam em oferecer elementos e análises para o público compreender melhor quem foi esse homem.

O que mais chega perto é "Being Nixon: A Man Divided" ("Sendo Nixon: Um Homem Dividido", em tradução livre), de Evan Thomas, que entrevistou 35 pessoas que conviveram com Nixon na intimidade e consultou milhares de documentos recentemente tornados públicos. O Nixon que emerge da leitura é mais enigmático e contraditório do que já se supunha.

Havia dois Nixon, quase antípodas, que se revelavam em dois tipos de documento: blocos de papel amarelo, em que ele freneticamente escrevia seus objetivos e intenções, e as conversas registradas em gravações e depoimentos de auxiliares na Casa Branca ao longo de cinco anos e meio de poder.

O Nixon dos blocos era nobre, generoso, bem intencionado; o dos papos íntimos, cruel, impiedoso, sem escrúpulos. Thomas tenta, nem sempre com êxito, explicar como esses dois personagens conviviam num único homem.

Thomas se sai melhor do que Tim Weiner, autor de "One Man Against the World: The Tragedy of Richard Nixon" ("Um Homem Contra o Mundo: a Tragédia de Richard Nixon", em tradução livre), que sempre descreve o "lado negro" do presidente como o prevalente ou mesmo o único.

Ao contrário de Thomas, que mostra como com frequência os atos de Nixon contradiziam sua retórica privada, Weiner acha que o verdadeiro Nixon era o da intimidade, e que quando ele fazia algo diferente do que dizia reservadamente, era movido apenas por egoísmo e possíveis ganhos políticos.

Na interpretação de Weiner, Nixon era um racista convicto, que só implantou políticas de ação afirmativa para cortejar o eleitorado negro; era um anticomunista incorrigível que só reconheceu a China de Mao para ter mais chances de escapar do pântano do Vietnã; era insensível com os problemas do ambiente, que só criou leis para protegê-la a fim de melhorar sua imagem.

Thomas, que não escreve tão bem quanto Weiner, é mais sutil; vai mais fundo na história, e mostra como Nixon, desde criança, se mostrava sensível às injustiças contra os negros e como, apesar de seu conservadorismo, sempre foi intelectualmente aberto a novas ideias e desafios.

Em resumo: para Weiner, Nixon era pior do que já se sabia; para Thomas, ele era mais complicado do que se imaginava.

"The President and the Apprentice" ("O Presidente e o Aprendiz", em tradução livre), de Irwin Gellman, concentra-se no período da Vice-Presidência de Nixon (1953-1961), quando viajou pelo mundo, e obteve raros momentos de popularidade, como após o "debate da cozinha" com Nikita Kruchev em Moscou ou a viagem à Venezuela, onde seu carro foi apedrejado e ele insultado e cuspido.

Bob Woodward, um dos repórteres que revelaram o caso Watergate e autor de várias obras sobre Nixon, lança "The Last of the President's Men" ("O Último dos Homens do Presidente", em tradução livre) baseado em documentos até agora inéditos mantidos por Alexander Butterfield, assessor de Nixon na Casa Branca.

Na linha de Weiner, Woodward mostra como Nixon dizia uma coisa em particular a seus assessores e o contrário ao público em entrevistas e discursos. Woodward denuncia a hipocrisia de Nixon.

Mas para entender um líder da dimensão de Richard Nixon, é preciso saber muito mais do que suas incoerências, mentiras e crimes. Nenhum desses quatro livros consegue a proeza. E talvez nenhum venha a conseguir.?

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é editor da revista "Política Externa". Foi correspondente da Folha em Washington.


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