Folha de S. Paulo


Sistema misógino rege vida de mães ricas de Nova York, diz livro

A elite de Nova York vive em uma bolha que, em muitos aspectos, não parece situada nos Estados Unidos de 2015. A pesquisadora Wednesday Martin traçou o perfil da "tribo" de mães do Upper East Side, bairro caro da cidade, no livro "Primatas da Park Avenue" (Intrínseca), a ser lançado no Brasil neste mês.

Enquanto no resto do país as mulheres são cada vez mais independentes, diz a autora, a população da área que abrange as ruas 63 e 94, entre a Quinta Avenida e a Lexington, é regida por um sistema "retrógrado e misógino".

Mulheres que abdicam de suas profissões para cuidar dos filhos se submetem a uma dependência econômica de seus maridos que causa níveis elevados de ansiedade.

TIMOTHY A. CLARY/ AFP
Mulher caminha pela Park Avenue, em Upper East Side, bairro nobre de Nova York
Mulher caminha pela Park Avenue, em Upper East Side, bairro nobre de Nova York

Compensam o "enclausuramento" com gastos anuais de US$ 100 mil em estética. Cultuam a beleza física, mas não raro se consolam com misturas pouco saudáveis de álcool e remédios de tarja preta (além de maconha).

Não poderiam ser mais simbólicos os encontros de Alcoólatras Anônimos dentro de uma igreja na Madison Avenue, encravada entre lojas da Prada, de um lado, e da Ralph Lauren, do outro.

Apesar de não admitirem frequentar o grupo, as mulheres substituem o vinho nos coquetéis -que costumam começar às 11h em dias de semana- por bebidas que parecem, mas não são alcoólicas.

Mesmo com uma rotina singela, que se resume a levar e buscar as crianças na escola, fazer ginástica e frequentar seus próprios eventos, essas mulheres mantêm a aparência irretocável.

"Elas estão sempre prontas para a Fashion Week", diz Martin, em conversa com a Folha em seu apartamento, no Upper West Side, do outro lado do Central Park.

ESTRANHAMENTO

A autora se mudou para o bairro onde fez a pesquisa em 2004, por motivos familiares. Provocada pelo estranhamento da "tribo", decidiu fazer da experiência, que se encerraria em 2010, um relato com referências antropológicas sobre como é ser mãe no Upper East (Martin tem dois meninos).

As crianças são objeto de um zelo que extrapola os limites da criação e acabam por refletir e influenciar as relações sociais dos pais. Brincadeiras no parquinho são negociadas entre as mães de acordo com o status da família. Martin relata ter se sentido "pária" quando chegou. Não era influente, logo seu filho não era boa companhia.

Uma conversa em leve tom de flerte com um "macho alfa" -um dos mais poderosos homens do mercado financeiro residentes no bairro- começou a abrir portas.

Aos poucos, ela foi aceita pelo grupo e também passou a se sentir parte dele, aderindo a hábitos e obsessões como pela bolsa Birkin, da Hermès, "espada e escudo" não apenas cara, como difícil de ser adquirida.

DIVULGAÇÃO/DIVULGAÇÃO
A autora Wednesday Martin, que se sentiu pária no Upper East Side
Wednesday Martin, autora de 'Primatas da Park Avenue', em que traça perfil da 'tribo' com que conviveu

Com proporção de duas mulheres em idade reprodutiva para cada homem na região, a competição feminina é hostil. Paranoicas com a forma física, as mães não se permitem envelhecer e recorrem à moda, à ginástica e à faca do cirurgião plástico. Mesmo depois do casamento, várias relataram, reservadamente, angústia e vergonha diante de desconfianças sobre a infidelidade dos maridos.

O fim do matrimônio não apenas mancha a reputação, como pode levar à falência. Os pactos nupciais do Upper East preveem mesadas e bônus de fim do ano pelas gestões domésticas. Empobrecer é sinônimo de exclusão.

Primatas da Park Avenue
Wednesday Martin
l
Comprar

Essas mães ignoram cumprimentos, fazem comentários pelas costas e chegam a esbarrar em mulheres que veem como ameaças. Ao formar vínculos, porém, podem ser compreensivas e solidárias.

A pesquisadora afirma que procurou entender a fundo o grupo e resistiu ao estereótipo da mulher rica que "as pessoas amam odiar". "Meu objetivo nunca foi fazer um 'diário da babá'", diz, em referência à disputa de poder entre patroas e empregadas comum no Upper East.

Mas, como legítima primata do sexo feminino, Martin não deixou de fora certas vingancinhas do bem.

Primatas da Park Avenue
QUANTO: R$ 39,90 (272 páginas) e R$ 24,90 (e-book)
AUTORA: WEDNESDAY MARTIN
EDITORA: INTRÍNSECA


Endereço da página:

Links no texto: