Folha de S. Paulo


Declarações de Bush sobre assessores do filho presidente abalam clã

Robert F. Bukaty/Associated Press
FILE - In this June 12, 2009, file photo. former President George H. W. Bush, center, is joined by his sons, former President George W. Bush, left, and former Florida Gov. Jeb Bush, as he speaks to reporters after his parachute jump with the Army Golden Knights parachute team to celebrate his 85th birthday in Kennebunkport, Maine. Let’s say that America has given you the job of picking the perfect candidate for president. There are all sorts of things to start the list: leadership, vision, charisma, communication skills and foreign policy cred. And more: fundraising prowess, authenticity, empathy, a keen understanding of the presidency and maybe a little familiarity with running for the office. This is Bush - the son and brother of former presidents. No one else can claim the same intimacy with the office. (AP Photo/Robert F. Bukaty, File) ORG XMIT: WX404
George H. W. Bush abraça os dois filhos, o ex-presidente Bush (esq.) e o pré-candidato Jeb (dir.)

Críticas incomumente aguçadas do ex-presidente George Bush aos assessores de seu filho deflagraram uma sequência de recriminações na quinta-feira e expuseram cisões na maior dinastia política dos Estados Unidos, o que complica o esforço do clã para reconquistar a Casa Branca.

Em uma nova biografia, Bush afirma que o vice-presidente Dick Cheney e o secretário da Defesa Donald Rumsfeld solaparam a presidência de seu filho, e isso abalou o círculo político do clã Bush e colocou Jeb Bush, seu segundo filho, agora pré-candidato à presidência pelo Partido Republicano, em posição desconfortável entre as lealdades familiares e políticas.

George Bush, 91, viveu uma longa e prestigiosa vida pública, e evidentemente se sentiu livre para expressar opiniões sobre as quais havia mantido o silêncio por muito tempo, a bem da harmonia familiar. Ele afirmou que Cheney era "linha dura demais", e excessivamente ávido por "usar a força para conseguir o que queríamos". Rumsfeld ele define como "um sujeito arrogante", cheio de "pose". Bush pai usou a mesma expressão para definir os dois: "iron-ass", ou seja, durões, inflexíveis.

Os comentários, parte de "Destiny and Power: The American Odyssey of George Herbert Walker Bush", sua biografia por Jon Meacham, que será publicada na semana que vem pela editora Random House, atraíram resposta cortante de Rumsfeld na quinta-feira: "Bush 41 está sentindo a idade, e se equivoca em sua avaliação de Bush 43, que descobri ser um homem que decide por si só", declarou Rumsfeld. [George Bush pai foi o 41º presidente dos Estados Unidos, e seu filho o 43º.]

Os comentários de Bush pai levaram o filho a sair em defesa de seus assessores.

"Para mim é um orgulho ter servido com Dick Cheney e Don Rumsfeld", disse George Bush filho. "Dick Cheney fez um trabalho soberbo como vice-presidente e tive a sorte de poder contar com ele durante toda minha presidência. Don Rumsfeld comandou o Pentágono competentemente e foi um secretário da Defesa efetivo".

Mas ninguém foi colocado em posição mais desconfortável do que Jeb Bush, que vem encontrando dificuldades para definir uma identidade separada da de seus famosos pai e irmão, enquanto comanda sua campanha pela Casa Branca este ano. Uma vez mais ele se viu compelido, na quinta-feira, a falar de sua família em lugar de seus planos para o país. Em viagem de campanha, sugeriu que seu pai estava buscando uma forma de eximir o filho de críticas ao culpar assessores pelos problemas em seu governo.

Kevin Lamarque - 8.nov.2006/Reuters
U.S. President George W. Bush (R) escorts U.S. Secretary of Defense Donald Rumsfeld from the Oval Office of the White House after announcing Rumsfeld’s replacement in Washington November 8, 2006. Rumsfeld, the controversial face of U.S. war policy, quit on Wednesday after Democrats rode Americans’ anger and frustration over Iraq to victory in Tuesday’s congressional electionsREUTERS/Kevin Lamarque (UNITED STATES)
George W. Bush e o ex-secretário da Defesa Donald Rumsfeld no Salão Oval da Casa Branca

"Meu irmão é um homem crescido", disse Jeb Bush à rede de TV NBC. "Seu governo foi definido pelas ideias dele, por sua reação ao ataque do 11 de setembro. Acho que meu pai, como muita gente que ama George, quer tentar criar uma narrativa diferente, talvez porque fazê-lo parece natural".

Jeb Bush disse que Cheney "serviu bem ao meu irmão como vice-presidente e extraordinariamente bem ao meu pai como secretário da Defesa".

Ele acrescentou que "creio que precisamos deixar para trás essa sensação de que 1991 e 2001 são a mesma coisa".

No novo livro, George Bush pai expressa seu amor e apoio ao filho, e defende as decisões dele de ir à guerra no Iraque e remover Saddam Hussein do poder. Mas reprova gentilmente o filho por sua "retórica tórrida", como no caso do discurso sobre o "eixo do mal", e diz que a responsabilidade real pelo modo de operação de Cheney e Rumsfeld cabia ao presidente.

"A responsabilidade é sempre do presidente", afirmou Bush pai.

O que mais surpreende quanto aos comentários não é o sentimento que expressam, mas que Bush pai os tenha expressado em público. Quando Meacham lhe enviou uma transcrição de suas declarações e perguntou se havia alguma coisa que ele desejasse esclarecer, o ex-presidente não retirou nenhuma de suas palavras.

"Foi isso que eu disse", ele respondeu a Meacham.

As declarações refletem o longo histórico do relacionamento entre o ex-presidente e Rumsfeld e Cheney. Bush pai e Rumsfeld eram rivais nos anos 70, e ainda que Cheney tenha servido como seu secretário da Defesa, Bush pai declarou a Meacham que Cheney havia mudado como vice-presidente.

Falando à Fox News na quinta-feira, Cheney aceitou os comentários com tranquilidade, e disse que ser chamado de "iron-ass" é um cumprimento.

"Para mim, é motivo de orgulho", ele disse. Dadas as perdas devastadoras do 11 de setembro de 2001, afirmou, muita gente concordaria em que "fui agressivo em nos defender, em promover as políticas que eu via como corretas".

Diários de Bush pai a que Meacham teve acesso oferecem um panorama do cotidiano de seu período na presidência. Mesmo em seus pensamentos privados, Bush parecia determinado, até o final da primeira guerra com o Iraque em 1991, mas depois começou a sofrer de um desânimo emocional, de um torpor, quando deixou de ser a peça central de uma missão profunda. Ele chegou a pensar em não disputar um segundo mandato.

Embora tenha sido derrotado em sua tentativa de reeleição em 1992 por ser visto como fora de contato com a realidade dos cidadãos, Bush já havia começado a perceber maus sinais políticos quanto estava no pico de sua popularidade, após a guerra.

"A opinião dominante hoje é a de que vou vencer por larga margem, mas não acredito nisso", ele ditou em março de 1991, ao retornar no avião da presidência de um discurso para os soldados. "Creio que vai ser a economia" que "determinará o resultado. Creio que posso falar com orgulho do que aconteceu na Operação Desert Storm, mas em minha opinião, no final de 1992 isso terminará sobrepujado por outras questões". Quanto a isso, ao menos, ele se provou presciente.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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