Folha de S. Paulo


Acesso de transgêneros a banheiros de escolas nos EUA vira tema de disputas

Solicitadas a chamar um menino transgênero pelo nome masculino que ele escolheu para si mesmo, professores e administradores escolares nos EUA tendem a dar uma resposta simples: "Com certeza". Permitir que um secundarista que nasceu menino mas se identifica como mulher entre para o time de vôlei? Sem problemas.

Mas, enquanto os estudantes transgêneros vão afirmando sua presença, as escolas hesitam em relaxar as regras em torno de banheiros e vestiários. Muitas exigem que alunos transgêneros usem banheiros e trocadores particulares, gerando oposição por parte desses alunos, seus pais e defensores, para os quais as regras são discriminatórias.

Na segunda-feira (2), o Departamento de Educação deu o prazo de 30 dias para uma escola secundária suburbana em Chicago resolver uma disputa com uma estudante transgênera que se identifica como menina e quer tomar banho e se trocar no vestiário feminino, sem restrições. Se a escola não o fizer, correrá o risco de perder as verbas que recebe segundo leis federais. Mas o confronto refletiu disputas semelhantes travadas em todo o país, onde vestiários e banheiros hoje são palcos de uma briga ferrenha em torno das mudanças feitas para acolher os transgêneros.

"É uma questão sobre a qual as pessoas andam pensando muito", disse Thad Ballard, presidente do Conselho Escolar do Condado de Elko, no nordeste de Nevada, que em setembro votou por manter estudantes transgêneros fora dos banheiros e vestiários que correspondem à sua identidade de gênero. Segundo ele, a iniciativa visa preservar "a tradição secular de respeitar as diferenças entre os sexos".

"Alguma vez foi apropriado que um rapaz biológico ou uma moça biológica entrassem no banheiro do gênero oposto?", disse Ballard. "Estamos todos tentando pensar na melhor maneira de proteger os direitos de todos nossos estudantes, sejam eles transgêneros ou não."

Os Estados da Califórnia, Washington, Colorado, Connecticut, Massachusetts, Nova York e o Distrito de Colúmbia já obrigam suas escolas a permitir que os alunos transgêneros usem os banheiros e vestiários correspondentes à sua identidade de gênero. No Maine, a Suprema Corte estadual decretou no ano passado que, pela lei estadual contra a discriminação, uma menina transgênera podia usar os banheiros e vestiários do gênero com o qual ela se identificava.

Outros 11 Estados estão discutindo políticas antidiscriminatórias mais generalizadas que também poderão proteger os direitos dos estudantes transgêneros em escolas, disse Michael D. Silverman, diretor executivo do Fundo Legal de Educação e Defesa dos Transgêneros. Mas alguns Legislativos estaduais querem ir na direção contrária. Parlamentares republicanos no Wisconsin propuseram uma lei que proibiria estudantes transgêneros de usar banheiros condizentes com sua identidade de gênero –medida que democratas consideram discriminatória. O Senado estadual do Minnesota, dominado por democratas, derrotou uma medida semelhante em abril.

Alguns distritos escolares enfrentam ameaças de ação na Justiça e intervenção federal se excluírem os estudantes transgêneros dos banheiros que correspondam à sua identidade de gênero.

Em Arcadia, na Califórnia, o distrito escolar fechou um acordo com o Departamento de Justiça e o Escritório de Direitos Civis do Departamento de Educação depois de um estudante transgênero que se identifica como homem ter registrado uma queixa por ter sido forçado a dormir em uma cabana separada durante uma excursão de estudos científicos da escola secundária. O distrito escolar colaborou com representantes federais para redigir uma nova política pela qual os estudantes transgêneros têm acesso a todas as instalações segregadas por sexo, com base no gênero com o qual eles se identificam.

David Vannasdall, superintendente do distrito escolar de Arcadia, que tem menos de 10 mil estudantes e não fica distante do centro de Los Angeles, disse que, ao encaminhar o estudante a uma cabana separada, o distrito escolar tinha seguido as orientações de um advogado que previra as reações de outros pais, em lugar de ter simplesmente levado em conta a família do estudante transgênero. "O problema é que temos pessoas tomando decisões baseadas no medo e nos extremos, e isso nunca é bom para os alunos", ele disse.

O Legislativo estadual da Califórnia aprovou uma medida há dois anos permitindo que estudantes transgêneros em todas as escolas participem de atividades separadas por sexo e utilizem instalações condizentes com sua identidade de gênero. Mas adversários da lei estão traçando um plano para fazer votar na Califórnia, em 2016, uma iniciativa que obrigaria todos os estudantes a usar as instalações correspondentes ao gênero constante de seus registros de nascimento.

"Não questiono a sinceridade deles", comentou Karen England, porta-voz do grupo Privacy for All (Privacidade para Todos), que promove a iniciativa do referendo na Califórnia. "Mas a realidade biológica é que as características físicas de cada sexo são distintas. Tenho o direito à privacidade e minhas filhas e netas têm o direito de estarem em um banheiro ou vestiário sem serem expostas ao gênero oposto."

O analista Jeff Johnston, da organização conservadora Focus on the Family (Foco sobre a Família em português), do Colorado, escreveu em e-mail que "meninas não devem ser obrigadas a arriscar-se a ser expostas a garotos em vestiários, trocadores e banheiros".

Lideranças escolares dizem que, nos casos em que pais ou alunos expressam preocupações, estas podem ser trabalhadas. Em São Francisco, por exemplo, um grupo de estudantes muçulmanos pediu permissão no ano passado para orar nos recreios e fazer purificações rituais dos banheiros. Mas alguns deles ficaram preocupados com a ideia de que, se uma estudante transgênera entrasse no banheiro ao mesmo tempo, seria inapropriado para as meninas dividirem um espaço com uma pessoa que é biologicamente masculina.

"Falamos do fato de este país ser uma democracia e dos estudantes terem o direito de ir ao banheiro", comentou Kevin R. Gogin, diretor de programas de saúde voltados à segurança e ao bem-estar no Distrito Escolar Unificado de São Francisco. Depois de discussões com os estudantes religiosos, eles concordaram que buscariam privacidade, usando os lavabos particulares para seus rituais de purificação.

Em Los Angeles, onde o distrito escolar adotou desde 2004 a política de permitir que estudantes transgêneros usem banheiros e vestiários que correspondam à sua identidade de gênero, Judy Chiasson, coordenadora do Departamento de Relações Humanas, Diversidade e Equidade do Distrito Escolar Unificado de Los Angeles, falou que as escolas vêm recebendo poucas queixas.

"Nossos alunos tendem a ser bastante modestos", disse Chiasson. Segundo ela, diferentemente de gerações anteriores, mesmo depois das aulas de educação física ou dos treinos esportivos os estudantes não tendem a tirar a roupa e tomar banho nos banheiros públicos, onde eles podem usar lavabos particulares. Graças a isso, ela disse, em muitos casos os estudantes nem sequer sabem se um colega é transgênero ou não.

Segundo Chiasson, a estudante transgênera não quer "invadir a privacidade de outras pessoas. Ela vai ao banheiro para fazer o que precisa."

Tradução de CLARA ALLAIN


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