Folha de S. Paulo


Palco de tensões cotidianas, Jerusalém registra três novos ataques

As autoridades registraram nesta terça-feira (10) ao menos três novos casos de ataques com facas contra cidadãos israelenses em Jerusalém.

No primeiro caso, dois palestinos de 12 e 13 anos agrediram um vigilante em um veículo leve sobre trilhos em um bairro judaico em Jerusalém Oriental, segundo a polícia. O guarda, que ficou moderadamente ferido, baleou e feriu o mais jovem dos dois, e as forças de segurança detiveram o segundo.

Ahmad Gharabli/AFP
Israeli paramedics and security forces evacuate a wounded Palestinian boy, who was shot after allegedly stabbing an Israeli security guard, at a tramway station in the settler neighbourhood of Pisgat Zeev in annexed east Jerusalem on November 10, 2015. Two knife-wielding Palestinian boys aged 12 to 13 attacked a security guard in the settler neighbourhood, with one shot and wounded and the other arrested, police said. The security guard was wounded and treated at the scene, police spokeswoman Luba Samri said. AFP PHOTO / AHMAD GHARABLI ORG XMIT: XAG708
Médicos israelenses resgatam garoto palestino que ficou ferido após esfaquear um vigia em Jerusalém

Pouco depois, um palestino de 37 anos correu contra agentes de segurança com uma faca na mão próximo ao Portão de Damasco, na Cidade Velha de Jerusalém. O suspeito foi baleado antes de agredir alguém e foi declarado morto posteriormente.

A polícia israelense diz ter frustrado um ataque similar em Abu Dis, um bairro árabe em Jerusalém Oriental. De acordo com a porta-voz, um palestino tentou esfaquear oficiais em um posto de controle antes de ser morto.

Os ataques desta terça-feira acontecem em meio a uma intensa onda de violência em Israel e nos territórios palestinos ocupados. Desde o início de outubro, morreram 12 israelenses e 75 palestinos.

Estopim da violência e foco de grande parte dos ataques, Jerusalém registrou, segundo a Chancelaria israelense, ao menos 19 ataques de palestinos com facas e armas de fogo, os quais deixaram cinco israelenses mortos e 39 feridos, até esta terça-feira (10).

Para tentar conter a onda de violência, as autoridades adotaram uma série de novas medidas em Jerusalém, como reforçar a presença policial e isolar bairros árabes com muros e postos de controle. Consideraram ainda flexibilizar as regras de porte de armas para israelenses. Consultada pela Folha, a prefeitura de Jerusalém disse, sem dar detalhes, que grande parte dos bloqueios instalados na cidade recentemente já foi removida.

Após a adoção dessas medidas, o número de ataques na cidade caiu. Nas últimas semanas, a violência vinha se concentrando na Cisjordânia.

"Essas medidas vão aumentar percepções negativas em ambos os lados" e "tornarão ainda mais tensa" a vida na cidade depois da atual onda de violência, disse à Folha por e-mail Anat Ben Nun, diretora da ONG israelense Paz Agora.

Khaled Odeh, da Coalizão Cívica pelos Direitos dos Palestinos em Jerusalém (CCPRJ, na sigla em inglês), disse por telefone à Folha que "essas medidas têm dificultado muito a vida dos palestinos em Jerusalém". Ele diz que a tensão na cidade "não começou no início de outubro".

HISTÓRIA RECENTE

Mapa de Jerusalém dividida

Jerusalém é um ambiente de tensões cotidianas, que passam por diferenças legais entre seus moradores, pelo confisco discricionário de terras e por disputas sobre locais de culto.

A cidade é uma das mais antigas do mundo e, ao longo de sua história, tem sido objeto de disputas entre diferentes povos.

Após a guerra entre tropas sionistas e exércitos árabes que levou à fundação de Israel, em 1948, Jerusalém se dividiu em duas partes: Jerusalém Ocidental foi reservada para o recém-criado Estado de Israel, e Jerusalém Oriental passou a ser administrada pela Jordânia.

Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel expandiu seu controle sobre vários territórios árabes, inclusive Jerusalém Oriental. Com isso, Israel decretou que Jerusalém seria sua "capital única e indivisível". Porém, o gesto não foi reconhecido pela comunidade internacional, que entende que Jerusalém Oriental é território ocupado e não pode ser anexado unilateralmente.

Os palestinos reivindicam Jerusalém como capital de um futuro Estado. Atualmente, a sede administrativa da Autoridade Nacional Palestina (ANP) é Ramallah, na Cisjordânia.

Odeh conta que houve uma escalada na tensão na cidade desde junho de 2014, quando Muhammad Hussein Abu Khdeir, hierosolimita de 15 anos, foi sequestrado por colonos e queimado vivo —a ação foi uma aparente retaliação à morte de três jovens judeus na Cisjordânia.

Nun afirma que o "caminho para a paz na cidade passa pelo comprometimento com as bases para um acordo permanente" que leve ao estabelecimento de "duas capitais em Jerusalém".

RESIDÊNCIA PERMANENTE

Quando Jerusalém Oriental foi anexada por Israel, os palestinos que viviam ali e seus descendentes não ganharam cidadania, mas o status legal de "residentes permanentes". Isso lhes garante os mesmos direitos que imigrantes estrangeiros —apesar de terem vivido ali antes de o território ser ocupado. Os judeus assentados nessa parte da cidade possuem cidadania israelense.

Dessa forma, os palestinos de Jerusalém vivem sob um status diferente dos demais: os palestinos que foram forçados a se deslocar para outros países são considerados refugiados; já os árabes que viviam em território israelense logo após a fundação de Israel possuem cidadania israelense; aqueles nascidos na Cisjordânia possuem documentos emitidos desde 1995 pela ANP; já os moradores da faixa de Gaza têm seus documentos emitidos sob a responsabilidade do movimento radical islâmico Hamas, que controla o território desde 2007.

População de Jerusalém

A legislação de Israel prevê que o direito à residência pode ser revogado em diversas situações, como passar a viver em outras cidades, receber residência ou cidadania de outros países ou representar ameaça à segurança nacional. Para não perder o direito à residência, os palestinos de Jerusalém precisam comprovar reiteradamente vínculos de trabalho ou moradia com a cidade.

Desde 1967, ao menos 14.481 palestinos residentes em Jerusalém Oriental tiveram suas residências permanentes revogadas, segundo dados da ONG israelense B'Tselem.

Recentemente, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, propôs revogar o direito à residência de alguns dos 80 mil palestinos que vivem em bairros de Jerusalém Oriental localizados além do muro que separa a cidade da Cisjordânia.

Nun disse que a Paz Agora é contra essa proposta, que "não poderia ser aplicada de um ponto de vista legal".

Israel começou a construir em 2002 uma barreira de 8 metros de altura na Cisjordânia com o intuito de conter ataques terroristas. Palestinos dizem que o muro cumpre um papel de segregar comunidades e restringir o direito de ir e vir.

Desde que Jerusalém Oriental foi ocupada, as autoridades israelenses têm levado a cabo políticas para aumentar a presença judaica ali. Sob a justificativa de transferir populações ou construir espaços públicos, terras possuídas por palestinos são confiscadas. Há uma série de restrições para que os palestinos possam construir novas casas.

De acordo com a B'Tselem, desde 2004 foram destruídas 579 casas erguidas irregularmente na cidade, deixando desabrigadas 2.133 pessoas, dentre as quais 1.158 menores de idade. A Sociedade de Estudos Árabes estima que, desde 1967, 9.000 casas de palestinos tenham sido demolidas em Jerusalém Oriental.

As autoridades israelenses também têm utilizado a destruição de casas como forma de punir famílias de palestinos responsáveis por alguns dos recentes ataques contra civis israelenses.

LOCAIS SAGRADOS

A Cidade Velha, localizada em Jerusalém Oriental, abriga alguns dos locais mais sagrados para os seguidores das três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. É lá que está a Esplanada das Mesquitas (conhecida entre judeus como Monte do Templo), cujo estatuto é objeto de tensão permanente.

A Esplanada abriga a mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha, construídos desde o século 7º, e é considerado o terceiro lugar mais sagrado para os seguidores do islamismo. Muçulmanos creem que Maomé, seu profeta, tenha estado ali antes de sua "viagem noturna".

O local também é sagrado para os devotos do judaísmo. A tradição sugere que foi ali que Abraão se dispôs a sacrificar seu filho. O rei Salomão teria erguido, no mesmo ponto, seu templo, destruído pela Babilônia no século 6 a.C —e, uma vez refeito, desmontado pelos romanos no século 1º. Em uma das paredes externas da Esplanada, conhecida como Muro das Lamentações, Israel construiu um local de preces para os judeus.

De acordo com as regras que regem o acesso à mesquita de Al-Aqsa, que é administrada pelas autoridades religiosas da Jordânia, os judeus são autorizados a entrar no complexo, mas não podem rezar ali.

Esplanada das mesquitas - Jerusalém

Nos últimos anos, ativistas judeus de extrema direita têm aumentado as pressões para permitir a reza no local. Alguns religiosos sugerem a construção de um "Terceiro Templo" judaico sobre a Esplanada das Mesquitas.

Para os muçulmanos, a autorização para judeus rezarem no local seria o primeiro passo para destruir as mesquitas, com o objetivo de construir o "Terceiro Templo". O governo israelense contradiz as acusações da comunidade muçulmana, afirmando não ter interesse em mudar o estatuto do local.

Em setembro, muçulmanos entraram em confronto diversas vezes com soldados israelenses na Esplanada das Mesquitas, o que fez o governo fechar o acesso de palestinos à Cidade Velha por alguns dias.

Nun afirma que, para conter as recentes tensões, é "crítico que o status quo do Monte do Templo/Esplanada das Mesquitas seja restaurado".

A tensão em Jerusalém se espalhou para Israel e para os territórios palestinos ocupados, dando início a uma das principais ondas de violência dos últimos anos na região.


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