Folha de S. Paulo


Em diário, FHC diz que Arafat era 'feio, mas caloroso' e critica indianos

Se as confissões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivessem vazado durante o mandato dele, o Brasil teria enfrentado tempestades diplomáticas.

Em seus "Diários da Presidência, Volume 1, 1995-1996" (Companhia das Letras), livro que será publicado na próxima quinta (29), o tucano é particularmente franco sobre líderes internacionais e engrenagens do Itamaraty.

Bruno Santos/Folhapress
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concede entrevista à Folha em seu escritório em São Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concede entrevista à Folha em seu escritório em São Paulo

Para Fernando Henrique, o líder palestino Yasser Arafat (1929-2004) "é muito feio, mas muito caloroso", o ex-premiê indiano Narasimha Rao (1921-2004) "não tem nenhuma simpatia; balança o rosto como se tivesse doença de Parkinson", e o ex-premiê japonês Ryutaro Hashimoto (1937-2006) é "mais tosco do que parecia nas movimentações internacionais".

Relatando uma visita à Índia em 1996, o ex-presidente comete alguns arroubos de sinceridade. "Estive com alguns dos grandes empresários da Índia. Eles, apenas de olhar, passam a impressão de ser até homens de classe média baixa. Quando você começa a conversar, vê que são donos de muita coisa e têm alguma competência."

Para ele, Mumbai "parece o [bairro paulistano do] Brás, quando era muito caído", e a propalada classe média indiana merece ceticismo: "Dizem que lá há uma classe média de 150 milhões de pessoas. O que será que eles chamam de classe média?"

A disputa por embaixadas e ministérios também aparece no diário sem mesuras.

Um dos cotados para assumir o Ministério das Relações Exteriores em seu primeiro mandato era o então embaixador em Londres, Rubens Barbosa, "que sempre foi muito próximo a mim e ao PSDB, tinha expectativa legítima de ser ministro" e "é um homem muito operoso".

Mas Fernando Henrique relata que "a reação ao seu nome dentro do Itamaraty era maior do que a reação ao de [Luiz Felipe] Lampreia", que acabou escolhido. Ele conta ainda que recebeu Barbosa em agosto de 1995, após o acidente cardiovascular que tinha sofrido o então embaixador em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima.

"Isso deve ter ouriçado o Itamaraty para ver quem substitui o Paulo", escreve. "O Rubens, embora tenha sido elegante no início, dizendo que não se pode nem pensar em substituir o colega, no final disse: 'Se houver alguma coisa, não se esqueça de mim!'. Paulo de Tarso só deixou o posto em 1999 –sucedido, afinal, por Barbosa.

O Itamaraty, ministério que ele mesmo liderou de outubro de 1992 a maio de 1993, recebe outras cutucadas.

Referindo-se à discussão sobre a vinda da então primeira-dama dos EUA, Hillary Clinton, diz que foi "aquele nhe-nhe-nhem do Itamaraty, se pode ou não pode, como é que faz, que horas vem, com quantas pessoas."

Mas o ex-presidente também reserva elogios a líderes estrangeiros e se recorda de episódios pitorescos.

Lech Walesa, ex-sindicalista e ex-presidente da Polônia, tinha "muita vivacidade, espírito e humor, e uma militância anticomunista visível".

SUL-SUL

Fernando Henrique deixa claro, no livro, seu pouco apreço por instituições alternativas ao Consenso de Washington (conjunto de políticas econômicas neoliberais), além de desdenhar da aproximação Sul-Sul, ideias caras aos governos petistas.

Diários da Presidência (Vol. 1)
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Em encontro do G-15 na Argentina, em novembro de 1995, disse aos presentes que tinha de acabar a "choradeira" e não fazia sentido "ficar reclamando contra o Norte."

O grupo que reunia países em desenvolvimento em contraponto a agremiações de nações ricas era visto com ressalvas. "Acho que esse grupo não vai muito longe. Os países são muito desiguais, do ponto de vista do Brasil é uma questão de relações públicas."

A seu ver, o Brasil não aspirava "criar um modelo para o mundo que seja alternativo ao do Ocidente. Queremos, sim, ter um espaço nesse modelo de Ocidente."


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