Folha de S. Paulo


Haitianos vão às urnas no domingo em busca de estabilidade política

Os eleitores haitianos vão às urnas neste domingo (25) na esperança de tirar o país mais pobre das Américas de uma instabilidade política crônica.

Quase cinco anos após a chegada de Michel Martelly ao governo, esta eleição presidencial é a única a ser realizada dentro do prazo legal. Em razão de uma profunda crise entre o poder Executivo e a oposição, as eleições parlamentares, municipais e locais foram atrasadas em mais de três anos.

Hector Retamal/AFP
Apoiadores do candidato Jude Célestin, um dos 54 a disputar a presidência no Haiti, participam de comício em Porto Príncipe
Apoiadores de Célestin, um dos 54 a disputar a presidência, participam de comício em Porto Príncipe

Neste ano, 54 pessoas se candidataram para suceder Martelly. Mas o número recorde de pretendentes ao cargo de presidente não é sinal de uma boa saúde democrática.

Uma dezena de candidatos presidenciais são ex-parlamentares ou líderes de partidos políticos históricos, enquanto muitos outros são desconhecidos do público.

Apenas três deles apresentam reais chances: o esquerdista Jude Célestin, que disputou com Martelly em 2010, o governista Jovenel Moïse, dono de plantações de banana, e o ex-senador populista Moïse Jean-Charles, um duro crítico do governo.

Se nenhum deles conseguir metade dos votos, o segundo turno será em dezembro. O sucessor assume o país em 7 de fevereiro.

'GENERALIDADES'

Apenas um punhado de candidatos à Presidência publicou um esboço do seu programa de governo.

"Os debates têm sido inúteis, os candidatos falam apenas de generalidades. Nenhum mostrou ser capaz de gerir a situação", lamenta Kesner Pharel, economista haitiano.

"O governo se esforçou para apresentar o orçamento 2015-2016 para os candidatos. Apenas quinze responderam ao convite e não aproveitaram esta oportunidade para mostrar a seriedade do seu programa (...) Eles nem sequer compreenderam que este instrumento financeiro é a pedra angular para administrar um país", lamenta Pharel.

Martelly, cantor popular e político novato, iniciou seu mandato em maio de 2011, em um país que acabara de sofrer uma das piores catástrofes naturais das últimas décadas.

Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 6,3 devastou o Haiti, matando mais de 220 mil pessoas e jogando 1,5 milhão de pessoas nas ruas. Além disso, o desastre causou uma destruição estimada em 120% do PIB, deixando em ruínas a maioria dos edifícios públicos, incluindo o Palácio Presidencial.

Desde o final dos 30 anos de ditadura Duvalier (François Duvalier, o "Papa Doc", entre 1957 e 1971, e Jean-Claude, o "Baby Doc", entre 1971 e 1986), o Haiti vive crises cíclicas, com eleições banhadas de sangue por causa dos ataques dos "tontons macoutes", o braço armado do regime Duvalier.

GRANDES DESAFIOS

Seis dos 10 milhões de haitianos vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 2,5 dólares por dia. A cada ano, 100 mil jovens abandonam o sistema de ensino sem encontrar um emprego.

E passados mais de cinco anos desde o terremoto, mais de 85 mil vítimas do desastre ainda vivem em acampamentos improvisados, segundo a Anistia Internacional.

A necessidade de unidade nacional para tirar o país do subdesenvolvimento é defendida por muitos líderes políticos, mas, desde o terremoto, as tentativas de governança abertas e inclusivas fracassaram.

"No Haiti, ninguém gosta de perder. Os 53 perdedores da eleição presidencial vão concordar em dizer que houve fraude", diz Pharel.

A violência durante o dia de votação é a primeira fonte de preocupação do Conselho Eleitoral Provisório (CEP), a administração responsável pela organização das eleições.

Em 9 de agosto, no primeiro turno das eleições legislativas, incidentes violentos prejudicaram o bom desenrolar da votação, chegando ao ponto de o CEP decidir cancelar a votação em quase um quarto dos colégios eleitorais.

"Diz-se muitas vezes que a 'união faz a força', e isso é o que está escrito na bandeira", afirma o economista.. "Mas no Haiti as pessoas se unem para destruir. Isso é o que assusta."


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