Folha de S. Paulo


Bogotá vai às urnas para tentar reverter decadência

No início dos anos 2000, Bogotá se tornou símbolo do renascimento da Colômbia após uma era tenebrosa de conflito entre governo e guerrilhas.

A capital era citada mundo afora como referência em urbanismo e desenvolvimento, e sua pujança pós-guerra começou a drenar turismo e investimento.

Samy Adghirni/Folhapress
Carro se desvia de buraco na rua e avança sobre a calçada em Bogotá, capital colombiana
Carro se desvia de buraco na rua e avança sobre a calçada em Bogotá, capital colombiana

O milagre de Bogotá, porém, não durou.

A cidade hoje afunda em problemas que afetam a maior parte de seus 8 milhões de habitantes e acirram a disputa eleitoral para definir, no próximo dia 25, o sucessor do contestado prefeito esquerdista Gustavo Petro, ex-guerrilheiro.

Onde fica Bogotá

O lixo se amontoa até em áreas nobres. A maioria das ruas está esburacada ou sem pintura. Algumas vias do centro têm buracos tão grandes que obrigam os motoristas a avançar sobre a calçada para evitá-los.

Numa aglomeração com poucas vias expressas, congestionamentos são marca registrada do dia a dia. Pesquisa recente do aplicativo Waze apontou Bogotá como uma das piores cidades do mundo para dirigir.

Sem metrô nem bonde, ônibus é a única opção de transporte coletivo. Para aliviar o notório sufoco dos usuários na hora de pico, autoridades multiplicaram o número de ônibus em circulação, mas isso atravancou as faixas exclusivas.

BOGOTÁ EM CRISE - Principais problemas

Viciados perambulam a toda hora por zonas centrais onde drogas como bazuco, semelhante ao crack, e maconha são vendidas à luz do dia, na frente da polícia. No parque Terceiro Milênio, cracolândia local, há áreas cobertas de excremento humano.

A maior preocupação dos bogotanos é com a criminalidade. A sensação de insegurança, porém, destoa das estatísticas, que indicam homicídios e roubos em baixa.

No centro histórico, vitrine da cidade, visitantes encontram fachadas pichadas e mal conservadas.

Rejeição ao prefeito - Em %

Sete de cada dez bogotanos acham que a cidade vai mal, enquanto Medellín, epicentro do narcotráfico colombiano retratada na série "Narcos", manteve sua recuperação desde os anos 1990 e hoje pulsa num embalo de desenvolvimento e inovação.

"Vivemos um dos piores períodos na história de Bogotá", diz o urbanista Mario Noriega, que culpa a esquerda, no comando da prefeitura na última década, pela deterioração.

A gestão do prefeito esquerdista Luis Eduardo Garzón (2004-2008) implementou bem-sucedidas políticas sociais, mas recebeu críticas por romper com o modelo de governo pragmático e eficiente de seus antecessores.

Homicídios em queda - Taxa por 100 mil habitantes

Garzón foi sucedido por Samuel Moreno, que acabou destituído e preso por corrupção em 2011, deixando rastro de caos em contratos públicos.

"As práticas corruptas se refletiram na materialidade da cidade, que teve projetos inacabados ou concluídos de qualquer jeito", diz a cientista política Lariza Pizano, autora do recém lançado livro "Bogotá Está Jodida?" (Bogotá está ferrada?, em tradução livre) e integrante da campanha do liberal Rafael Pardo, segundo colocado nas pesquisas eleitorais.

Petro, atual prefeito, chega ao fim do mandato (a lei veta reeleição) com alta rejeição, principalmente entre a classe média, que não tolera sua amizade e admiração pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013).

Intenções de voto para próximas eleições - Em%

GESTÃO 'HUMANA'

Críticos abominam a autoproclamada gestão "humana" de Petro, que inclui subsídios a transporte e moradia, além de uma reorganização do espaço público com viés social e ambiental. "Fechar a principal rua do centro para uso exclusivo dos pedestres é uma boa ideia, mas deu errado porque não se pensou no caos que causaria nas vias adjacentes", diz o urbanista Noriega.

Outro aspecto polêmico da atual gestão é o aumento das restrições à construção de alto padrão enquanto multiplicam-se programas de moradia popular. "De tanto mexer nas regras, Petro empurrou os construtores para fora de Bogotá", diz o arquiteto Daniel Bonilla.

A coleta de lixo também gera críticas, já que o sistema passou de empresas privadas a um regime misto, com forte intervenção de um serviço especializado da prefeitura criado por Petro.

Catalina García, alta funcionária da Secretaria de Habitação, disse que a prefeitura paga o preço por confrontar interesses da classe dominante. "Restringimos licenças de construção em áreas ambientais e combatemos a segregação que deixava os pobres às margens da cidade", disse, acrescentando que "não se pode resolver tudo em quatro anos".

Ela afirma que Petro, além de esbarrar num conselho municipal dominado pela oposição, é alvo de repetidas investigações por supostas violações das leis de ordenamento territorial.

As dificuldades de Petro estão minando intenções de voto da candidata esquerdista, Clara López. A perda de Bogotá seria um desastre para a esquerda, que tem na capital a sua última grande plataforma.

À Folha López disse duvidar das pesquisas e prometeu que, se eleita, irá aprofundar programas sociais e melhorar a mobilidade urbana.

As apostas, porém, são de uma vitória do liberal Pardo ou do centrista Enrique Peñalosa, que pretende voltar à prefeitura 12 anos após tê-la deixado.


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